Em 22/03/10
21 de março é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Em lembrança a esta data tão simbólica, no dia 19, ocorreu – na sede do Sindicato dos Advogados de São Paulo – um encontro com entidades do movimento negro, lideranças e parlamentares. O convidado especial foi Januário Alves de Santana, acompanhado de sua esposa, Maria dos Remédios, e da filha Esther. Em 2009, o trabalhador negro (vigilante da USP) foi espancado por seguranças de uma loja da rede francesa de hipermercados Carrefour, em Osasco, na Grande São Paulo. Na ocasião, Januário foi acusado pelos seguranças de ter roubado o próprio carro, um Eco Sport, da Ford.
Coincidentemente, Januário faz aniversário em 21 de março. 50 anos atrás, ocorria o massacre racista de Shaperville, na África do Sul. Em 1960, na cidade de Joanesburgo, 20 mil negros estavam protestando contra a lei do passe, que obrigava as pessoas a andarem com cartões de identificação, que estabeleciam locais por onde elas podiam ou não passar. Apesar de pacífica, a manifestação teve um fim trágico: a polícia atirou na multidão e deixou 69 mortos e 186 feridos. A data, criada pela ONU, pela Resolução nº 2.506, de 21/11/1969, foi aprovada pela Assembléia Geral.
Acordo extrajudicial
Questionado nos últimos meses sobre o andamento do caso, o advogado de Januário, Dojival Vieira, leu um comunicado em que anunciou o acordo extrajudicial com o Carrefour Indústria e Comércio Ltda. Pelo acordo, Januário foi indenizado por ter sido espancado por seguranças de uma empresa privada – a Nacional Segurança – nas dependências do Hipermercado.
O acordo encerra o caso na esfera cível, evitando a entrada de ações por dano moral na Justiça. Segundo o comunicado, “simboliza e demonstra que há disposição e integridade de propósito das partes em contribuírem para uma sociedade mais inclusiva” e “a crença de que o diálogo é a ponte que une as pessoas e elimina as barreiras”.
Mobilização e representatividade
Também participaram do evento militantes como Douglas Belchior, Heber Fagundes, Sérgio Caetano, Vanessa Nascimento e Nádia Tomé, todos do Conselho Geral da UNEafro Brasil; João Bosco Coelho, do Brasil Afirmativo; Joselício Júnior (Juninho) do Círculo Palmarino; Cleyton Borges e Gabriel Sampaio, representando o Sindicato e a Assembléia Popular; o deputado Vicente Cândido (PT), presidente da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial da Assembléia Legislativa; representações dos mandatos dos deputados estaduais Raul Marcelo (Psol) e José Cândido (PT), da Comissão de Direitos Humanos da Alesp; e o militante Claudinho, pela Secretaria Estadual de Combate ao Racismo do PT.
Cândido disse que o acordo celebrado entre Januário e o Carrefour demonstrou a correção da busca de entendimento entre as partes e acrescentou que é um exemplo para o Brasil. “Acompanhamos desde o primeiro momento e expressamos a solidariedade da Assembléia Legislativa,” afirmou. A professora Roseli de Oliveira, da Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena da Secretaria de Justiça do Estado, em viagem pelo interior, esteve representada pela advogada Eni Augusto de Paula.
Movimento faz cobranças
Douglas Belchior ressaltou que, embora positivo do ponto de vista da justiça para o vigilante Januário e sua família, a realização de um acordo está aquém do que o movimento espera. “A UNEafro entende que o Carrefour e outras empresas que comentem racismo não podem ser vistas ainda com a ‘ficha limpa’ diante das barbaridades que cometem com negros, sejam eles clientes ou funcionários. Esperamos uma mudança radical na postura”. Ele explicou que o movimento deve continuar firme na denúncia e nas cobranças diante das empresas e dos governos. “A luta anti-racista deve ser ainda maior” – concluiu.
Justiça
No âmbito policial, o caso não avançou. O Inquérito 302/09, que tramita no 9º DP de Osasco, ainda não foi concluído e nem mesmo o laudo do Instituto de Criminalística para degravação das imagens do episódio foi finalizado. “Sem o inquérito concluído, o Ministério Público não pode se manifestar e o caso não chega à Justiça”, afirmou o advogado.
Ele também disse que vai pedir à delegada Rosângela Praxedes da Silva que oficie ao Instituto Médico Legal de Osasco, pedindo a complementação da perícia realizada logo após as agressões. O laudo aponta lesões de natureza leve, e é desmentido pelo Relatório do Hospital Universitário onde Januário foi operado e recebeu placas de platina no rosto por ter sofrido fratura do maxilar.
O deputado Vicente Cândido anunciou a realização de uma Audiência Pública na Alesp para tratar do caso e pedir a agilização das conclusões do Inquérito a fim de que seja encaminhado ao Ministério Público e posteriormente à Justiça. No final, o advogado disse que vai procurar o ministro Edson Santos, da Igualdade Racial, e o secretário de Justiça de S. Paulo, Luiz Antonio Marrey, para agradecer a solidariedade recebida durante o episódio.
Tortura
Os seguranças envolvidos terão que responder na Justiça pelas agressões e poderão ser punidos com penas que vão de 2 a 8 anos de reclusão, caso sejam denunciados pelo Ministério Público com base na Lei que define os crimes de tortura – a 9.455/97.
A Lei define como crime de tortura “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”; “em razão de discriminação racial”. Também pune “aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las”, no caso dos policiais que atenderam a ocorrência e que, além de, inicialmente, reforçarem a suspeita, não socorreram o vigilante da USP.
Para estes, além das penas, aumentadas pelo fato da lesão ser de natureza grave, ainda há a previsão de perda do cargo, função ou emprego público e interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.