A privatização da Vale dez anos depois

por | maio 25, 2009 | Notas Rápidas | 0 Comentários

Entrevista

Há dez anos, em maio de 1997, a Companhia Vale do Rio Doce (CRVD), uma das jóias da coroa do patrimônio público brasileiro, foi privatizada sob o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Um confronto entre 600 policiais militares e cerca de cinco mil manifestantes transformou as proximidades da praça XV, onde fica a sede da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) e local da privatização, num autêntico campo de guerra. O confronto terminou com 33 pessoas feridas e a privatização da Vale.
Para lembrar do episódio da privatização da Vale e do seu significado, a IHU On-Line em parceria com o Cepat, entrevistou advogada Clair da Flora Martins, autora de uma das ações populares que questiona o leilão da Companhia Vale do Rio Doce. Clair da Flora Martins, ex-presa política do Regime Militar, ex-vereadora em Curitiba e ex-deputada Federal pelo Paraná, afirma que “usando de uma metáfora, podemos dizer que sem a posse da Companhia Vale do Rio Doce podemos tirar a cor amarela de nossa bandeira”.
Por outro lado, dez anos após leilão, a sociedade civil organizada realizará um plebiscito em nível nacional para saber a opinião dos brasileiros sobre a anulação da venda da segunda mais importante mineradora do Mundo e a maior da América do Sul. Clair da Flora Martins comenta a importância do plebiscito popular e as possibilidades de se reverter o leilão.

IHU On-Line – Onde a Sra. estava no dia 07 de maio de 1997, há dez anos atrás quando a Vale foi privatizada a Vale e qual foi o seu sentimento?
Clair da Flora Martins – Eu estava participando de manifestações em Curitiba contra a privatização da Vale do Rio Doce juntamente com inúmeras entidades do movimento social organizado. Foi um terrível sentimento de perda…mas também de revolta por tudo aquilo estar acontecendo, por nosso país estar sendo vendido.

IHU On-Line – O que a Companhia Vale do Rio Doce representa para os brasileiros?
Clair da Flora Martins – Usando de uma metáfora, podemos dizer que sem a posse da Companhia Vale do Rio Doce podemos tirar a cor amarela de nossa bandeira. O seu valor é incalculável, não só pelas imensas riquezas minerais como ferro, bauxita, nióbio, alumínio, cobre, carvão, manganês, ouro, urânio e outros, bem como pela estrutura logística que opera em 14 estados do país, englobando 9 mil quilômetros de malha ferroviária, portos, usinas e terminais marítimos. A história da Companhia Vale do Rio Doce está ligada a nossa identidade como nação, ao orgulho nacional.
Já em 1910, no XI Congresso Geológico e Mineralógico, realizado em Estocolmo, na Suécia as reservas da Vale foram estimadas em 2 bilhões de toneladas métricas. O lucro da empresa é astronômico. Em 2007, teve ganhos de R$ 13,4 bilhões, mais de 4 vezes o valor pelo qual foi vendida. O processo pelo qual a Vale foi constituída é um símbolo da resistência nacional à dominação estrangeira. Uma resistência que começou com o presidente Arthur Bernardes e continuou com Getúlio Vargas, que encampou as reservas de ferro de Percival Farquhar, num acordo com os EUA e a Inglaterra, que só foi conseguido através da participação do Brasil na Segunda Guerra.
Com a venda da Vale, o governo Fernando Henrique fez o Brasil voltar ao período colonial, destruindo nosso projeto de nação e nos colocando simplesmente como fornecedores de matéria-prima para os chamados países de primeiro mundo. Não poderemos jamais aceitar isso passivamente.

IHU On-Line – Os defensores da privatização alegam que a anulação do leilão pode afastar os investidores e causar prejuízo à Nação…
Clair da Flora Martins – Prejuízo nós teremos se não anularmos este leilão. Um prejuízo irreparável de 400 anos, que é o tempo estimado para a lavra de nossas reservas. Este “discurso do prejuízo” é feito por quem não tem interesse em ver nas mãos dos brasileiros a riqueza que é gerada pelo nosso próprio país. Falta vontade política.
Na Bolívia, o governo de Evo Morales está “nacionalizando” o gás; na Venezuela, o Chávez está nacionalizando o petróleo. Os países latinos estão tomando consciência da importância de suas matérias-primas. E por que no Brasil isto não acontece? Aqui, o governo Lula recebeu doações da Companhia para sua reeleição, enquanto falava no prejuizo das privatizações no horário eleitoral. A Vale patrocina evento de magistrados e até campanha da fraternidade. Mas a população precisa estar consciente que o dinheiro não pode comprar o nosso futuro e nossa responsabilidade com o país.
O dinheiro não pode comprar a consciência de milhares de cidadãos, de patriotas, de brasileiros, comprometidos com as necessidades de nosso povo. Um país que não tem recursos para investir em educação, em infra-estrutura, em saúde, em segurança…não pode se dar ao luxo de remeter o lucro da venda de suas riquezas para investidores estrangeiros e particulares.

IHU On-Line – E quais são as reais possibilidades de reverter este processo? Como está o andamento das ações?
Clair da Flora Martins – As chances de reverter o processo têm dois componentes. O primeiro é jurídico. As mais de 100 ações propostas na época do leilão de privatizações (1997) foram todas elas remetidas para a Justiça Federal de Belém do Pará. Em 2002, o juiz de Belém julgou improcedentes 7 ações e extinguiu sem julgamento do mérito as outras 69. Houve, portanto, julgamentos diferentes. Em dezembro de 2005, a 5ª Turma do TRF anulou a decisão do Juiz de Belém (que extinguiu as ações sem analisar o mérito), determinando que os 69 processos retornassem a Belém para que os fundamentos constantes nas ações fossem analisados e rejeitou o recurso interposto pelos autores das 7 ações que haviam sido julgadas improcedentes, ou seja, que não tiveram ganho de causa.
A nossa ação, junto a outras ações, segue suspensa para avaliação do ministro Luiz Fux (STJ). A decisão do STJ publicada no Diário da Justiça, de 22/09/06, suspende momentaneamente o retorno das ações populares ao Juízo Federal de Belém do Pará. Assim, as ações populares que objetivam a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce tiveram seu andamento suspenso, tendo em vista que a empresa entrou com um recurso. A Companhia Vale do Rio Doce alega que há uma orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que não pode haver julgamentos diferentes para o mesmo caso.
A 5ª Turma do TRF da 1ª Região (Brasília), de um lado, reconheceu a legalidade do processo de privatização em 9 processos e em outras 69 ações adotou procedimento diverso. Há, portanto, sentenças diferentes, descumprindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que a mesma matéria deve ser decidida de forma igual. Assim, a Companhia Vale do Rio Doce requereu a anulação das decisões proferidas pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região e a reunião dos processos. A 5ª Turma do TRF da 1ª Região, por sua vez, entregou a resposta ao pedido de informação do STJ no dia 31/10/06, sendo que agora será encaminhado ao Ministro Luiz Fux, da 1ª Seção do STJ para análise e decisão final. O outro componente é político. Ou seja, a União é ré no processo e o governo Lula, que agora representa a União, pode reconhecer a qualquer momento as nulidades do Leilão. O Poder Judiciário pode ser “esclarecido” pela opinião pública de que houve irregularidades no processo…

IHU On-Line – O que se questionou nas ações?
Clair da Flora Martins – Nós questionamos, em nossa ação, o Decreto 1510, que incluiu a CVRD no Programa Nacional de Desestatização, os vícios do edital, os critérios e o valor da avaliação da empresa. Demonstramos em nossa ação que o critério utilizado para a avaliação na época foi somente o valor das ações multiplicado pelo percentual de ações preferenciais colocadas à venda, sem examinar o valor das reservas minerais e das 54 empresas coligadas e controladas. A juíza desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal de Brasília, levou em conta estes argumentos para dar andamento ao processo.

IHU On-Line – Como a senhora vê a realização do plebiscito sobre a Companhia Vale do Rio Doce?
Clair da Flora Martins – Este plebiscito é uma prova viva de que a sociedade civil nunca vai aceitar passivamente este escândalo que é a transferência de nossas riquezas para as mãos de alguns poucos acionistas, em sua maioria de estrangeiros. O plebiscito é uma reação de quinhentos anos a exploração da Nação brasileira. Esta consulta popular vai ser o divisor de águas do governo Lula. Ou ele assume uma postura de defesa dos interesses brasileiros, ou se alia aos exploradores, aos vendilhões. Não existe meio-termo.
Nós estamos nos empenhando e vamos levar o plebiscito a cada escola, a cada Igreja, a cada sindicato, a cada entidade da sociedade civil, a cada cidadão. Depois do resultado, veremos como o governo Lula ficará conhecido no futuro. Como um governo que impediu o saque de nossas riquezas, ou como um governo que se aliou aos traidores da pátria

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