Evaristo Sa / AFP

Por Ricardo Gebrim* no Brasil de Fato

Bolsonaro e o movimento político que aglutina são neofascistas. O prefixo “neo” utilizado apenas para diferenciar das experiências e circunstâncias específicas ocorridas a partir das décadas de 20 e 30, do século passado, não descaracteriza que o programa máximo dos atuais movimentos neofascistas continua a ser a conquista do poder, para alterar o regime político, assumindo maior controle do Estado.

Em outras palavras, a estratégia do fascismo invariavelmente é o controle político de um regime específico do Estado burguês, eliminando os espaços democráticos.

Atualmente, Bolsonaro e seu movimento político fazem uma aposta de alto risco. Acabar com o isolamento social, única medida eficaz apresentada pela ciência, para minimizar os impactos da pandemia, em nome da recuperação da economia. Lança como uma contradição, a defesa da vida ou da economia.

Suas atitudes, de idas e vindas, buscam demonstrar a mensagem, inclusive em âmbito mundial, de que se opõe ao isolamento social horizontal e o responsabilizará pelos previsíveis impactos na economia. Diante da percepção geral de que caminhamos para uma recessão profunda, busca, desde já construir o discurso de quem culpará.

Importante artigo de André Flores e Octavio Del Passo, “Frações Burguesas na Crise Atual”, revela que o discurso genocida de Bolsonaro encontra apoio em setores ligados à indústria, comércio e varejo, atraindo parte do agronegócio e pequenas empresas, podendo se ampliar em razão da necessária duração do isolamento.

Além disso, a arriscada aposta de Bolsonaro visa diretamente a chamada massa marginal ou subproletariado, atraindo os trabalhadores precarizados e pequenos empresários, alterando sua base social, e, caso seja bem sucedido, se consolidando em setores que vinham constituindo um apoio a Lula e aos candidatos petistas.

Inconsequentes com os riscos à saúde, seus seguidores adquirem o monopólio das manifestações, exibindo, quase sempre protegidos pelos seus carros, uma força que não é compatível com a capacidade de mobilização.

As manifestações do movimento bolsonarista arrastam empresários prejudicados, mas também vocalizam interesses de parcela de ambulantes, autônomos e precarizados e, crescentemente, expressarão a insatisfação natural com as dificuldades do isolamento social.

Apontar falsos inimigos como os responsáveis pelas crises e todas as mazelas sociais é uma prática comum do fascismo clássico.

É uma aposta de risco porque uma trágica elevação das contaminações, confirmando os piores prognósticos em número de mortes, poderá desmontar seu discurso, caindo a máscara que permitirá compreender seu nefasto papel.

É certo que Bolsonaro perde apoio, especialmente em setores de alta classe média que conformaram uma importante base social, inclusive aderindo às suas convocatórias.

Porém, nada nos permite ainda avaliar seu isolamento. Demonstra força. Demitiu o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, gerando reações insuficientes e, ainda que difícil de conferir, aparentemente mantém sua base de apoio nos comandos militares, que aliás, ampliam sua participação nos cargos governamentais.

São muitas as interrogações neste momento. As frações burguesas seguirão endossando o programa neoliberal que as unificou desde o golpe de 2016?

A profunda crise fortalece o papel do Estado como principal detentor e distribuidor de recursos, mas também intensifica a disputa entre as frações burguesas pela fatia de bolo correspondente.

O enigmático e impreciso Plano Pró-Brasil, apelidado de Plano Marshall, lançado pelo Ministro da Casa Civil General Braga Neto, sem a presença de Paulo Guedes, inevitavelmente concentrará crescentes disputas por recursos, sinalizando um papel crescente dos militares nessa gestão.

O agravamento das condições de vida e as perdas salariais podem antecipar tensões sociais que provavelmente ocorrerão após superarmos o pior momento da pandemia?

Recordemos que nos países europeus que já enfrentaram os picos da doença e mesmo nos EUA, atual epicentro da pandemia, as forças armadas ganharam legitimidade por suas ações nas políticas emergenciais. No Brasil, para além do transporte de caixões, desinfecção de ruas e instalações, provavelmente distribuirão alimentos e certamente reprimirão eventuais saques causados pela fome.

Não podemos menosprezar. A aposta fascista de Bolsonaro tem base real. É preciso enfrentá-lo e, por isso, sustentar o “Fora Bolsonaro” é fundamental. Porém, precisamos identificar nossos desafios, alguns aparentemente insolúveis, compreendendo que nosso limite atual deve ser superado para estar à altura da provável “janela histórica”.

:: Leia também: “Fora, Bolsonaro”: o que pensam partidos e juristas sobre um possível impeachment ::

O primeiro deles é a atual impotência das forças de esquerda. Coerentes com o isolamento social, as organizações populares ficam limitadas ao trabalho de propaganda em redes sociais, panelaços ainda restritos à classe média e disputados com a Rede Globo e limitadas ações de solidariedade. Por sua vez, as medidas legais, autorizando redução salarial e suspensão de contratos, num primeiro momento intensificam a paralisia material de importantes categorias.

Portanto, a esquerda, limitada a alguns governadores, prefeitos e parlamentares, se posiciona diante de uma disputa Inter burguesa, onde certamente não serão construídas saídas favoráveis aos interesses populares.

Sem construir força organizada, sem conseguir retomar sua relação com o proletariado, representando seus interesses, a esquerda seguirá fora do cenário político. Encontrar os caminhos para enfrentar esse desafio, deve figurar no centro tático de todas as organizações populares.

Para tanto é necessário retomar o programa antimperialista e antimonopolista, denominado como “Programa Democrático Popular”, com medidas de extrema clareza até as eleições de 1989, depois transformado em mera denominação de versões cada vez mais rebaixadas.

Nada disso ocorrerá sem enfrentar o debate estratégico. -Como um mantra que venho repetindo nos últimos artigos, sem uma estratégia centrada na conquista do poder de Estado, as possíveis oportunidades históricas que podem se abrir por conta da atual crise, serão inevitavelmente perdidas.

Se a opção das esquerdas for prosseguir apostando suas fichas na disputa eleitoral, aguardando um desgaste do bolsonarismo, corremos o risco de sermos empurrados para a irrelevância política, assistindo nossas bandeiras serem empunhadas por notórios representantes burgueses, limitados a constrangedoras escolhas de segundo turno.

*Ricardo Gebrim é advogado e diretor do SASP