Por Vagner Patini Martins*

Vivemos um momento conturbado para a humanidade, infelizmente, o ano de 2020 nunca mais será esquecido, pelo fato da COVID-19.

Uma parte dos trabalhadores estão nesse momento realizando o teletrabalho, outros, por motivos muitas vezes necessários aos serviços essenciais, continuam em plena atividade. Deixamos aqui registrada nossa gratidão e apreço.

Para os trabalhadores que foram colocados em regime de teletrabalho, seria esse igual ao já previsto no art. 6º da CLT ou outra modalidade?

Esse será o objetivo do presente estudo: mostrar as diferenças existentes e as regras a serem aplicadas ao trabalhador que sempre trabalhou no teletrabalho e para quem hoje está em teletrabalho.

Iniciaremos pelo teletrabalho convencional, ou seja, o anterior a Declaração do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

A inclusão do prefixo tele, a palavra trabalho passou a direcionar o entendimento do labor realizado à distância do estabelecimento empresarial[1]. Há quem defenda que trabalho à distância é aquele realizado pelo empregado sem a vigilância pessoal e direta do empregador, sendo sinônimo de trabalho em domicílio.[2]

Buscando o seu conceito, encontramos, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o teletrabalho é “a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação” [3]

Para na nossa CLT no art. 6º:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.              

Não podendo em hipótese alguma ser confundido com o trabalho externo previsto no art. 62 da CLT e assim defino por Valentin Carrion:

“Serviços Externos: o que caracteriza Quem é este grupo de atividades é a circunstância de estarem todos fora da permanente fiscalização e controle do empregador a impossibilidade de conhecer o tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa.”[4]

Podemos assim concluir, que é o trabalho realizado fora do estabelecimento empresarial, mediante a remuneração, podendo ser desempenhado em domicílio (homeworking) ou outro local (coworking), estando a subordinação, controle e supervisão do empregador, mediante a utilização de meios de fiscalização, geralmente eletrônicos.

A Reforma Trabalhista Lei nº 13.467/2017, incluiu a CLT um novo capítulo exclusivo a essa modalidade de labor, que apenas antes se regulamentava pelo já citado art. 6º do mesmo diploma legal.

Nesse novo capítulo denominada “II – A Do Teletrabalho”, inovou ao trazer algumas regras importantes para a sua caracterização ao começar em sua conceituação na caput do art. 75 – B, abaixo transcrito:

Art. 75-B.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Exigindo nos demais artigos, que o mesmo deverá estar expresso em contrato de trabalho, devendo as funções estarem especificadas, fornecimentos ou aquisição dos equipamentos, forma de utilização, manutenção, reembolso, assim como a estruturação, deverá estar previstas no contrato, sem caracterizar remuneração.

Devendo ser realizado termo de responsabilidade que deverá ser assinado pelo empregado, quanto as formas corretas de labor de forma extensiva para se evitar doenças e acidentes do trabalho.

Por fim, poderá ser modificado para presencial, de comum acordo entre as partes, sendo respeitado o prazo de 15 dias para a modificação, devendo ser pactuado por aditivo contratual.

Não consta na legislação direta, mas de forma indireta, deverá ser seguida as regras constitucionais de hora de trabalho e demais regras trabalhistas, como de qualquer outro trabalhador que estivesse nas dependências da empresa, além de regras especificas para as profissões com regulamentação própria e normas da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo do local do labor (art. 651 da CLT).

Já o teletrabalho criado pela MP n° 927/2020, foi instituído pelo fato de calamidade pública onde por motivos alheios e de forma maior (art. 501 da CLT), o trabalho não poderá ser desempenhado no estabelecimento empresarial.

Nessa modalidade, por iniciativa do empregador, poderá ser alterado o regime de trabalho do presencial para o teletrabalho, assim como sua reversão independente da existência, de acordo individual ou coletivo, não sendo necessário a alteração contratual (caput do art. 4º MP n° 927/2020).

Note que na forma convencional é necessário o comum acordo; contudo, na forma da MP, basta a vontade e a livre inciativa do empregador. Logicamente, justificada pela pandemia, bastando apenas assim determinar a mudança do regime, sendo respeitado o prazo mínimo de 48 horas, não podendo ser confundido ou aplicado ao trabalho externo (§ 1º do art. 4º MP n° 927/2020).

Devendo as partes combinarem de forma escrita, previamente ou no prazo de 30 dias, contado da data da mudança do regime, as regras relativas à responsabilidade pela aquisição ou comodato dos equipamentos, assim como a sua manutenção, infraestruturação do local para o labor, não podendo serem caracterizados como verba de natureza salarial.

Apenas uma aberração jurídica foi criada no § 5º do mesmo artigo 4º, anteriormente citado, onde o tempo gasto em aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho não configuram, tempo a disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo. Infelizmente, tal matéria, fora referendada pelo STF nas ADI’s n° 6.342 / 6.344 / 6.346 / 6.348 / 6.349 / 6.352 / 6.354, do qual foi entendido que em momentos especiais caberiam medidas excepcionais.

Ao contrário do teletrabalho comum, conforme entendimento, firmado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA:

71 TELETRABALHO: HORAS EXTRAS SÄO DEVIDAS HORAS EXTRAS EM REGIME DE TELETRABALHO, ASSEGURADO EM QUALQUER CASO O DIREITO AO REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 62, III E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT CONFORME O ART. 7º, XIII E XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O ARTIGO 7º, “E”, “G” E “H” PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (“PROTOCOLO DE SAN SALVADOR”), PROMULGADO PELO DECRETO 3.321, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, E A RECOMENDAÇÃO 116 DA OIT (ANAMATRA, 2017).

Contudo, o principal ponto na Medida Provisória, em seu art. 33, deixa claro que não se aplicam as presentes regras aos trabalhadores que já estão no regime de teletrabalho.

Logicamente que a ideia do Executivo foi não modificar ou criar novas regras para quem já possuiu um regramento próprio e específico em pleno funcionamentos que não entra em conflito e nem sob necessária proteção e regulamentação no período de calamidade publica pela pandemia de COVID-19.

Conclusão

O teletrabalho, já utilizado em diversos países, é uma modalidade que vem rondando nossa sociedade, ainda existindo alguma restrição em nossa nação, por costume e regras comuns de vivência cotidiana, mesmo com evolução da norma jurídica, era pouco utilizado.

Com a infeliz pandemia, rapidamente se tornou uma forma viável e, notoriamente, se mostra bem útil para diversas categorias profissionais, demonstrando que não existe qualquer óbice a sua utilização.

Conforme as dificuldade e conflitos apresentados, será necessária a realização de adaptações dos costumes e, inclusive, maior regramento jurídico em breve por legislação; Porém antes disso, como já de praxe na Justiça do Trabalho, surgirá, provisoriamente, um regramento baseado nas demandas apresentadas.

Devemos destacar que, pós pandemia, muito será refletido sobre a forma de se trabalhar, ainda mais que vivemos a 4º Revolução Industrial ou Revolução Tecnológica, será o momento de aplicar o chamado “ócio criativo”, conforme nos ensina o sociólogo Domenico De Masi “Você não é o que faz no emprego, mas o que faz fora dele. É na horas de ócio que alguém pode tornar-se mais culto ou ignorante” e continuando “O futuro pertence a quem souber libertar-se da ideia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo, enfim, com o ‘ócio criativo’”[5].

*Vagner Patini Martins é Mestrando PUC/SP, Pós Graduado em Direito Sindical – ESA/SP – OAB/SP, Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho – ESA/SP – OAB/SP, Graduado pela FMU, Diretor do SASP – Sind. dos Adv de SP, Diretor da Comissão de Direito Sindical da OAB – Jabaquara, Professor Convidado nos cursos de pós graduação FMU e UNICID e Advogado atuante na área Trabalhista e Sindical.  

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[1] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O teletrabalho: importância, conceito e implicações jurídicas. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 3, n. 33, p. 8-27, set. 2014.

[2] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 211.

[3] THIBAULT ARANDA, Javier. El teletrabajo: análisis jurídico-laboral. Consejo econômico y social, Madri: 2001, p.19.

[4] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho – 38 ed. rev. e atual. por Eduardo Carrion. – São Paulo : Saraiva, 2013. p. 153.

[5] DE MAIS, Domenico. O ócio criativo. Tradução Léa Manzi. – Rio de Janeiro: Sextante, 2000.