Por Ana Amélia Mascarenhas e Arnóbio Lopes Rocha no Migalhas
Trabalhar nesse momento exige não apenas coragem, mas profundo compromisso com os Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos se constituíram como a última barreira de defesa da vida e da espécie humana, nesse tempo em que a barbárie se torna cada dia mais presente no cotidiano mundial, neste ano em particular, pois a Pandemia do Coronavírus (Sars-CoV-2) escancarou a tragédia humana em toda sua extensão. O ano de 2020, o ano que não deveria existir e que se tornará um marco na vida humana em todo o planeta por demonstrar o limite humano e suas mazelas.
O desemprego, a fome, a falta de moradia e a ausência do Estado para acolher os milhões de desvalidos se tornou mais evidente e contundente.
A civilização corre sérios riscos por problemas endêmicos históricos, agora agravados pela Pandemia, com trações cruéis, especialmente por parte alguns governantes, dentre eles o brasileiro. O que cria uma confusão sobre como combater a maior mortandade humana, por uma doença, em tempo de paz, nos últimos 100 anos. A situação se agrava pela inação ou pela negação por parte das autoridades sobre como deve se seguir recomendações médicas e de agências como a OMS (Organização Mundial de Saúde)
Percebe-se que há várias manifestações de indiferença com a Pandemia, a negação por ideologia, por absoluta falta de empatia com a humanidade, em cidades importantes do mundo, movimentos organizados de desafio às autoridades no esforço de tentar controlar a circulação da doença, quando não, algumas autoridades incentivam esse sentimento de negar o óbvio.
Este quadro de degradação de condições de vida, combinado com as outras mazelas, tornou 2020 o ano das incertezas e da irracionalidade. Das mortes absolutamente irracionais como a George Floyd, nos EUA, ou do garoto Guilherme Silva Guedes, na Vila Clara em São Paulo.
É sintomático que a violência das forças policiais tenha se tornado mais letal, mesmo com o isolamento social. As mortes foram um crescente, mesmo nos momentos de maior afastamento e de circulação mais restrita. Era uma pandemia dentro da pandemia, o que impôs aos defensores de Direitos Humanos, uma tarefa dupla e de alto risco, sobreviver e ainda enfrentar a barreira do isolamento e sair às ruas para que a tragédia fosse pelo menos diminuída.
A sensação, em alguns momentos desse ano, era de que se enxugava gelo ao sol.
As incursões policiais, as mortes de jovens na periferia, foi uma constante de realidade terrível, quase como uma naturalização da barbárie e de nada se pudesse fazer, no máximo uma redução de danos negociada com os governos.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP cumpriu importante papel nas denúncias e esteve presente em tantas frentes na defesa da vida. Foi fundamental nos acordos para obtenção de documentos para acesso ao Auxílio Emergencial, justamente para aqueles e aquelas que não têm nome, invisíveis, sem documentos e acesso aos serviços públicos. Mesmo em condições extremas, manteve-se o balcão de direitos na região da luz.
A CDH esteve presente nas manifestações com os Observadores Institucionais, em parceria com o SASP e ABJD/SP. Os vários atos culturais, antes da pandemia, como no carnaval, e mesmo durante a pandemia, a presença em manifestações dos servidores públicos na ALESP, nas lutas das torcidas por democracia. Também em atos e em proteção de vítimas nas comunidades, como na Vila Clara, favela do Moinho, Santo André, Capão Redondo, Paraisópolis, Sapobemba, Jardim São Luiz. Esteve presente e ajudou no contexto da situação de presídios, como Porto Feliz.
A CDH se fez presente em todos os contextos em que foi chamada a atuar nas questões legislativas, câmaras municipais e na Assembleia Legislativa, como também nas discussões públicas de temas ligados aos Direitos Humanos.
São tempos difíceis, dolorosos, tristes, pelas perdas de vidas de milhões de vidas no mundo e de 250 mil pessoas no Brasil, pelo COVID-19, e pelas pessoas humanas vitimadas pela violência própria da sociedade, pela violência policial e estrutural do Estado, pela ausência de políticas públicas e sociais que levaram à morte e ao desespero tantas pessoas, sem direitos e sem dignidade humana.
Trabalhar nesse momento exige não apenas coragem, mas profundo compromisso com os Direitos Humanos, nosso árduo trabalho, muitas vezes frustrante por não poder fazer mais, outras vezes satisfeitos por termos atuado e feito algo positivo pela cidadania, entendendo a importância de saber que somos essa última fronteira de defesa da vida.
Ana Amélia Mascarenhas é Advogada, Professora Doutora PUC/SP, Membro número 2 da Academia Paulista de Direito do Trabalho, Presidente da Associação dos Advogados Trabalhista de SP – 2009/2011, Conselheira Estadual da OAB/SP -2019/21, Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/ SP e parceira do SASP.
Arnóbio Lopes Rocha, Advogado, autor do Blog arnobiorocha.com.br e do Livro “Crise Dois Ponto Zero: A Taxa de Lucro Reloaded”. É membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e parceriro do SASP.