Questionamento é do ministro Ricardo Lewandowski, que defende a aceitação dos embargos infringentes na Ação Penal 470, sobre o que dizer desse tipo de recurso já aceito em outros julgamentos pelo mesmo próprio STF, caso prevaleça, nesta semana, a decisão de que eles não são válidos no caso do chamado ‘mensalão’; outra questão seria o fato de os embargos de declaração e outros recursos da ação também não estarem previstos na lei 8.038/90, um dos argumento de Joaquim Barbosa para não aceitar os infringentes.

247 – A decisão sobre a aceitação ou não dos embargos infringentes pelo STF na Ação Penal 470 deve ser tomada pelo plenário, de uma vez por todas, na próxima quarta-feira 11, quando acontece a próxima sessão e a discussão sobre o tema será retomada.

Defensor desse tipo de recurso, o revisor do caso, ministro Ricardo Lewandowski, questiona o que serão de todos os outros embargos infringentes já aceitos pelo tribunal em outros julgamentos. “Foram mera ficção jurídica?”.

A avaliação de Lewandowski consta em notas da coluna Painel, da Folha de S.Paulo, neste domingo. Leia abaixo:

Voto aberto

Às vésperas da decisão do Supremo Tribunal Federal que definirá se cabem ou não embargos infringentes para condenados no mensalão, Ricardo Lewandowski questiona: “A prevalecer a tese de que o multicentenário embargo desapareceu dos tribunais superiores porque não foi expressamente previsto em lei, o que dizer sobre as dezenas de infringentes que o STF julgou nos últimos 23 anos, após a edição dessa lei, inclusive em matéria penal? Foram mera ficção jurídica?”

Como faz? Lewandowski também aponta outra questão, referente aos embargos de declaração e outros recursos da ação penal não previstos na lei 8.038/90: “Também seriam abduzidos do regimento interno do STF e do Código de Processo Penal?”

Yin-yang Mais uma vez, a argumentação do ministro é oposta à de Joaquim Barbosa, presidente da corte, que já se manifestou contrariamente aos recursos que podem mudar o resultado do julgamento. Outros magistrados afirmam ser imprevisível o placar sobre os infringentes.

PARA MERVAL, ZAVASCKI ABRIU BRECHA PARA JULGAMENTO SEM FIM

 

Colunista do Globo aponta riscos na atitude inusitada do ministro na quarta-feira, “que saiu de uma posição rígida de não admitir mudanças nessa fase de embargos de declaração para passar a aceitá-las indiscriminadamente, a fim de reparar o que considerava injustiças do processo”. “A opinião pública terá confirmada a suspeita de que a Justiça brasileira não funciona para aqueles criminosos do colarinho branco que têm bons advogados e conexões políticas?”, ironiza

8 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 08:46

247 – O colunista do Globo Merval Pereira alerta para a abertura de uma possibilidade de reviravolta no julgamento do chamado mensalão. Segundo ele, ministro Teori Zavascki pode ter aberto uma brecha perigosa. Leia:

A hora da verdade

Embora a parte de embargos de declaração do processo do mensalão tenha se encerrado sem alterações substanciais nas decisões tomadas durante o julgamento, as duas últimas sessões do Supremo Tribunal Federal deixaram no ar uma possibilidade de que os votos minoritários e até mesmo os dos ministros que não participaram da dosimetria viessem a definir as penas dos condenados, numa distorção do resultado do julgamento realmente absurda, como chamou a atenção o Ministro Luiz Fux.

Se prevalecesse a posição do Ministro Teori Zavascki, estaria aberta a porteira para a revisão de todas as demais penas pelo princípio da isonomia que certamente seria reivindicado pelos advogados de defesa dos condenados.

Mais ainda, se os embargos infringentes vierem a ser aceitos como recursos válidos num processo de ação originária do Supremo Tribunal Federal, já temos mais um tema para o debate do novo corpo de juízes: a redução das penas de todos os condenados por formação de quadrilha, proposta na sessão de quinta-feira pelo Ministro Teori Zavascki e apoiada pelos de sempre Ricardo Lewandowski e Dias Toffolli e pelo impenetrável Ministro Marco Aurélio Mello, que se orgulha de votos contra majoritários.

Como foram quatro os votos, mesmo derrotados, eles poderão trazer o assunto novamente à baila nos embargos infringentes. E assim o julgamento não terá mais fim, com embargos dos embargos seguidos de novos recursos. O Ministro Teori Zavascki teve uma atitude inusitada na quarta-feira, pois saiu de uma posição rígida de não admitir mudanças nessa fase de embargos de declaração para passar a aceitá-las indiscriminadamente, a fim de reparar o que considerava injustiças do processo.

Os embargos de declaração não se prestam à avaliação da justiça da decisão, e sim a sanar eventuais ambiguidades, contradições, omissões ou obscuridade. Na prática, Zavascki quis transformar esse recurso num arremedo de ação de revisão (artigo 621 do Código de Processo Penal), que ele mesmo apontara como a única maneira de rever os votos já dados.

A redução das penas de quadrilha na verdade livra os condenados dessa imputação, pois, como o STF recebeu a denúncia em 6 de dezembro de 2006, o crime será considerado prescrito com penas menores de dois anos. Se não havia perigo de prescrição, pois, de acordo com o Artigo 109 do Código Penal, a prescrição da pena, se superior a quatro anos e não excedente a oito anos, acontece em 12 anos, hoje esse perigo é real com a possibilidade de redução da pena.

Mas talvez nem mesmo seja preciso chegar- se a esse requinte, pois se o crime de formação de quadrilha for rejulgado, aparentemente já existe uma nova maioria, formada pelos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, que têm uma visão bastante restrita para essa acusação.

Não aceitaram a acusação de formação de quadrilha no julgamento do senador Ivo Cassol e podem perfeitamente seguir os outros juízes que também não viram no mensalão esse crime.

O temor derivado dessa possibilidade é que os condenados se aproveitem de uma decisão de que não houve formação de quadrilha para alegar que o julgamento todo tem que ser revisto, pois a base da denúncia da Procuradoria Geral foi que José Dirceu chefiou uma quadrilha de dentro do Palácio do Planalto.

Mesmo que corrupção ativa e formação de quadrilha sejam crimes autônomos, o nexo da acusação pode vir a ser contestado, no mínimo para ganhar tempo com novos recursos.

Haveria condições legais e políticas para uma reviravolta completa no julgamento do mensalão depois de quase seis meses de sessões nas duas fases já cumpridas? A opinião pública terá confirmada a suspeita de que a Justiça brasileira não funciona para aqueles criminosos do colarinho branco que têm bons advogados e conexões políticas? Essas são as questões que terão que ser respondidas pelo novo plenário do Supremo, a partir de quarta-feira

POR ONDE ANDOU O DINHEIRODO PROPINODUTO TUCANO

José  Dirceu

JOSÉ DIRCEU6 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 16:01

Novas revelações sobre o escandaloso conluio de multinacionais para vencimento de licitações do metrô e da CPTM tornam cada vez mais inverossímil a estratégia do tucanato paulista de se colocar como vítima

Novas revelações sobre a arquitetura do escandaloso conluio formado por empresas multinacionais para vencimento de licitações do metrô e da CPTM tornam cada vez mais inverossímil a estratégia do tucanato paulista de se colocar como vítima do esquema consolidado ao longo de suas sucessivas administrações no Estado de São Paulo.

Em nova reportagem sobre o caso, a revista IstoÉ mostrou como as empresas integrantes do cartel, lideradas pela alemã Siemens e pela francesa Alstom, agiam para pagar propinas a políticos ligados ao governo do PSDB paulista, como contrapartida ao favorecimento nas licitações e superfaturamento nos contratos.

A reportagem teve acesso a documentos enviados pelas autoridades suíças ao ministério da Justiça, os quais comprovam a existência de uma conta bancária no país europeu para abastecer o “propinoduto tucano”. A conta, conhecida como “Marília”, foi aberta no Multi Commercial Bank, hoje Leumi Private Bank, em Genebra, e, segundo as investigações, movimentou cerca de R$ 64 milhões entre 1998 e 2002.

O dinheiro, como detalha a reportagem, é originário de um complexo circuito financeiro que envolve empresas abertas em paraísos fiscais, gestores de investimento e lobistas. A justiça suíça rastreou a movimentação e descobriu que os depósitos na conta “Marília” seguiam os parâmetros de lavagem de dinheiro internacional.

Entre os beneficiários da “Marília” estão pessoas muito próximas dos tucanos, como Robson Marinho, que foi homem de confiança e coordenador de campanha do ex-governador Mário Covas, e os empresários Arthur Teixeira e José Geraldo Villas Boas, que tinham ligação com o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, e com o diretor de operação e manutenção da CPTM, José Lavorente.

A matéria faz menção também a uma outra conta investigada, em nome do mesmo Villas Boas e de Jorge Fegali Neto, diretor de projeto do Ministério da Educação na gestão do ex-presidente FHC. A dupla tem 7,5 milhões de euros bloqueados pela justiça suíça e é indiciada pela nossa Polícia Federal sob a acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Será que diante de todos esses fatos, os tucanos paulistas continuarão dizendo que não há indícios de envolvimento de autoridades do seu partido no caso? E a grande mídia, continuará conivente e disseminando essa versão fantasiosa de que os governadores do PSDB foram apenas espectadores das negociações fraudulentas? E, caso fossem apenas espectadores, consideram que não há problemas nisso?

Estamos falando de concorrências viciadas e superfaturamentos que podem ter lesado os cofres públicos em bilhões de reais. Será que isso não é relevante, não é de interesse da sociedade? E o Ministério Público do Estado? Cumprirá seu papel de fiscalizar os atos administrativos do Executivo, ou continuará tratando as investigações como um acordo feito exclusivamente entre as empresas, sem anuência e participação das gestões públicas que as contrataram? Por fim: por que após todas essas graves denúncias o governador Geraldo Alckmin mantém no cargo e conduzindo novas licitações agentes públicos apontados nas investigações? Por que continua assinando contratos com as empresas suspeitas?

A ausência de respostas a essas questões essenciais só evidencia o quanto os governos tucanos têm se amparado na cumplicidade que possui com a grande mídia e com setores do Ministério Público para fugir às suas responsabilidades e continuar tratando o povo de São Paulo com um descaso vergonhoso.

STF E SUA APORIA PROCESSUAL NO MENSALÃO

Jean Menezes de Aguiar

JEAN MENEZES DE AGUIAR5 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 14:19

Joaquim Barbosa que, estranhamente, vem se permitindo ser garoto de publicidade da Globo News, pode estar juridicamente equivocado

A impressão que fica é que os magistrados do Supremo Tribunal Federal “quiseram” participar, todos, desde o início, do processo do Mensalão. Aí comprometeram o Pleno, em vez de começar o processo penal por um órgão fracionário do próprio Supremo, ainda que também colegiado. A natureza do argumento do exibicionismo invocado aqui, abstraídas as pautas regimentais do STF de competência do Pleno – mas o processo foi historicamente único e poderia receber interpretação com duplo grau interno no Supremo – é o que de mais fundamental há nas entranhas humanas. Está chancelada por Voltaire em “Dicionário de Filosofia”, verbete “Orgulho”: a vaidade.

Com a mecânica processual “escolhida” de instância única, com início do julgamento pelo Pleno criou-se o que em filosofia se chama “aporia”, um beco sem saída: um processo sem recurso. Por “recurso”, aqui, leia-se recurso cheio, minimamente equiparável à apelação em que se devolve ao órgão julgador a inteireza da matéria para ser novamente apreciada.

A invocação de que por ser Supremo nada jurídico mais experiente ou capacitado exista é totalmente equivocada. Os próprios dois embargos de declaração – recurso chinfrim, instrumental e não meritoriamente devolutivos -, que foram providos no processo para, heterodoxamente, reduzirem pena, é prova disso. Uma segunda rodada de interpretação judicial e reavaliação sobre os mesmos fatos, com novos argumentos, releitura e ressubsunção de provas a fatos, com “didática” diferente por meio de advogados, poderia permitir uma nova conclusão do julgamento. E a redução da injustiça processual.

Joaquim Barbosa que, estranhamente, vem se permitindo ser garoto de publicidade da Globo News, com imagem e frase na vinheta do anúncio endógeno da emissora quando se ouve a frase na voz do próprio ministro: “Acima do Supremo Tribunal Federal não há mais nada”, ou coisa parecida, pode estar juridicamente equivocado.

Ninguém menos que o jurista brasileiro Cançado Trindade, ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ensina que na questão de direitos humanos, competência interna e contenciosa da Corte – órgão judicial -, não vale invocação de soberania nacional. Um processo sem recurso plenário, como o Mensalão, viola o princípio implícito na Constituição da República de duplo grau de jurisdição. Viola também, numa interpretação necessariamente benéfica a réus em processo penal (!) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8o, h. Este cuidado os juízes do Supremo parecem não ter tido.

Há uma possibilidade de o Supremo corrigir isso, agora, ainda que à meia boca: aceitando os recursos de embargos infringentes. Modalidade proscrita na processualística civil, expulsa na reforma do Código de Processo Civil novo por buscar uma perfeição sentencial cartesiana, se mostra intransponível no Mensalão, por duas razões: primeira por ter o processo natureza jurídica penal, estando em pauta o valor máximo do ser humano que é a liberdade. Em segundo porque não houve um recurso processual cheio, plenário no processo provocado pela ação penal 470, Mensalão.

Se o Supremo não remendar essa situação, com muito cuidado dará ensejo à discussão de violação a direitos humanos. E aí a Corte Interamericana poderá ser a saída para os réus e o Brasil poderia ser condenado pela Corte a refazer o processo. O vexame seria colossal. Ou delicioso.

INFRINGENTES E DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Luiz Flávio  Gomes

LUIZ FLÁVIO GOMES6 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 12:22

Particularmente, apesar de todos os argumentos contrários, discordo do ministro Barbosa e entendo que os embargos infringentes são cabíveis (a polêmica, no entanto, é grande)

Na seção desta quinta-feira 5 o ministro Joaquim Barbosa rejeitou a possibilidade de embargos infringentes, contra decisão do STF, em caso de competência originária (casos julgados originariamente em razão do foro por prerrogativa de função). Fomos honrados, Valério Mazzuoli e eu, com a citação por ele da nossa doutrina a respeito do duplo grau de jurisdição (aliás, trata-se de citação feita originalmente pelo min. Celso de Mello, que foi reproduzida no voto do min. Joaquim Barbosa). Duas observações importantes: (a) eu, particularmente, apesar de todos os argumentos contrários, discordo do min. Barbosa e entendo que os embargos infringentes são cabíveis (a polêmica, no entanto, é grande); (b) Valério Mazzuoli e eu afirmávamos na terceira edição do nosso livro Comentários à CADH (RT) que o sistema europeu (europeu!) não admite o duplo grau de jurisdição quando o caso é julgado pela máxima corte do país. Vamos aos nossos argumentos e fundamentos:

(a) Por que entendo cabíveis os embargos infringentes?

De acordo com a minha opinião, não há dúvida que tais embargos (infringentes) são cabíveis. Dois são os fundamentos (consoante meu ponto de vista): (a) com os embargos infringentes cumpre-se o duplo grau de jurisdição garantido tanto pela Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 8º, 2, “h”) bem como pela jurisprudência da Corte Interamericana (Caso Barreto Leiva); (b) existe séria controvérsia sobre se tais embargos foram ou não revogados pela Lei 8.038/90. Sempre que não exista consenso sobre a revogação ou não de um direito, cabe interpretar o ordenamento jurídico de forma mais favorável ao réu, que tem, nessa circunstância, direito ao melhor direito.

Haveria um terceiro argumento para a admissão dos embargos infringentes? Sim. A esses dois fundamentos cabe ainda agregar um terceiro: vedação de retrocesso. Se de 1988 (data da Constituição) até 1990 (data da lei 8.038) existiu, sem questionamento, o recurso dos embargos infringentes (art. 333 do RISTF), cabe concluir que a nova lei, ainda que fosse explícita sobre essa revogação (o que não aconteceu), não poderia ter valor, porque implicaria retrocesso nos direitos fundamentais do condenado. De se observar que tais embargos, no caso de condenação originária no STF, cumprem o papel do duplo grau de jurisdição, assegurado pelo sistema interamericano de direitos humanos.

Pelos três fundamentos expostos, minha opinião é no sentido de que o Min. Joaquim Barbosa (que já rejeitou os embargos infringentes de Delúbio) não está na companhia do melhor direito. O tema vai passar pelo Plenário, provavelmente na próxima seção (de 12/9/13). A controvérsia será imensa (ao que tudo indica).

(b) Cabimento do duplo grau de jurisdição

Dentro de poucos dias sairá a 4ª edição do nosso livro Comentários à CADH (RT). Nela, sobre o cabimento do duplo grau de jurisdição no sistema interamericano de direitos humanos, esclarecemos (Valério Mazzuoli e eu) o seguinte:

“As duas exceções ao direito ao duplo grau, que vêm sendo reconhecidas no âmbito dos órgãos jurisdicionais europeus [europeus!], são as seguintes: (a) caso de condenação imposta em razão de recurso contra sentença absolutória; (b) condenação imposta pelo tribunal máximo do país. ( ) Mas a sistemática do direito e da jurisprudência interamericana é distinta [agregamos essa parte na 4ª edição, porque agora sabemos o que pensa a CIDH]. Diferentemente do que se passa com o sistema europeu, vem o sistema interamericano afirmando que o respeito ao duplo grau de jurisdição é absolutamente indispensável, mesmo que se trate de condenação pelo órgão máximo do país. Não existem ressalvas no sistema interamericano em relação ao duplo grau de jurisdição”.

“A Corte Interamericana não é um tribunal que está acima do STF, ou seja, não há hierarquia entre eles. É por isso que ela não constitui um órgão recursal. Porém, suas decisões obrigam o país que é condenado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Pacta sunt servanda: ninguém é obrigado a assumir compromissos internacionais. Depois de assumidos, devem ser cumpridos”.

“De forma direta a Corte não interfere nos processos que tramitam num determinado Estado membro sujeito à sua jurisdição (em razão de livre e espontânea adesão), porém, de forma indireta sim. No famoso “caso mensalão” o tema foi amplamente discutido. Pediu-se, no princípio do julgamento, a separação dos processos em relação aos réus que não contavam com foro especial por prerrogativa de função. Por maioria e contrariando sua própria jurisprudência, deliberou o STF não separar os processos. Todos foram julgados em instância única (no STF). E agora vão questionar essa decisão no sistema interamericano, com grande chance de sucesso. Por quê?”

“Porque não é verdade que Corte não teria poderes para modificar o que foi decidido pelo STF ou que as sanções da Corte seriam basicamente indenizatórias. Nada mais equivocado do que essas conclusões, totalmente desatualizadas, que revelam formação jurídica eminentemente legalista”.

“No caso Barreto Leiva contra Venezuela a Corte, em sua decisão de 17.11.09, apresentou duas surpresas: a primeira é que fez valer em toda a sua integralidade o direito ao duplo grau de jurisdição (direito de ser julgado duas vezes, de forma ampla e ilimitada) e a segunda é que deixou claro que esse direito vale para todos os réus, inclusive os julgados pelo Tribunal máximo do país, em razão do foro especial por prerrogativa de função ou de conexão com quem desfruta dessa prerrogativa”.

“Esse precedente da Corte Interamericana encaixa-se como luva ao processo do mensalão. Mais detalhadamente, o que a Corte decidiu foi o seguinte”: “Se o interessado requerer, o Estado (Venezuela no caso) deve conceder o direito de recorrer da sentença, que deve ser revisada em sua totalidade. No segundo julgamento, caso se verifique que o anterior foi adequado ao Direito, nada há a determinar. Se decidir que o réu é inocente ou que a sentença não está adequada ao Direito, disporá sobre as medidas de reparação em favor do réu.”

“A obrigação de respeitar o duplo grau de jurisdição, continua a sentença da Corte Interamericana, deve ser cumprida pelo Estado, por meio do seu Poder Judiciário, em prazo razoável (concedeu-se o prazo de um ano). De outro lado, também deve o Estado fazer as devidas adequações no seu direito interno, de forma a garantir sempre o duplo grau de jurisdição, mesmo quando se trata de réu com foro especial por prerrogativa de função”.

“A parte mais enfática da decisão foi a seguinte: “A Corte, tendo em conta que a reparação do dano ocasionado pela infração de uma obrigação internacional requer, sempre que seja possível, a plena restituição (restitutio in integrum), que consiste no restabelecimento da situação anterior, decide ordenar ao Estado que brinde o senhor Barreto Leiva com a possibilidade de recorrer da sentença citada”.

“No que diz respeito à reparação dos danos, uma distinção fundamental é a seguinte: uma coisa é a reparação de um dano decorrente da violação de um direito humano que não pode ser restituído à situação anterior (no caso Ximenes Lopes, por exemplo, reclamava-se da sua morte por culpa do SUS). Aqui só resta pagar indenização e investigar os abusos. Situação bem diversa é a violação de uma garantia processual, como é o caso do duplo grau de jurisdição, que ainda pode ser cumprida pelo país. Se a reparação pode ser integral, é ela que deve ser imposta e respeitada pelo Estado”.

“Ainda ficou dito que a Corte iria fiscalizar o cumprimento da sua sentença e que o país condenado deve cumprir seus deveres de acordo com a Convenção Americana”.

“O julgamento do STF, com veemência, para além de revelar a total independência dos seus membros, reafirmou valores republicanos de primeira grandeza, tais como reprovação da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc. O valor histórico e moralizador dessa sentença é inigualável”.

“Mas do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do jogo do Estado de Direito, o provincianismo e o autoritarismo do direito latino-americano, incluindo especialmente o brasileiro, apresentam-se como deploráveis. Por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da, muitas vezes, autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência internacional, a mais histórica e emblemática de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado”.

“De outro lado, quando o julgamento acontece na Corte Máxima, a única interpretação possível do art. 8º, II, “h”, da CADH, é que este mesmo tribunal é o competente para o segundo julgamento. Foi isso que determinou a CIDH no caso Barreto Leiva. Quando não existe outro juiz ou Corte “superior”, é a mesma Corte máxima que deve proceder ao segundo julgamento porque, no âmbito criminal, nenhum réu jamais pode ser tolhido desse segundo julgamento (consoante a firme e incisiva jurisprudência da CIDH)