Amplificada pela grande mídia burguesa, essa ação política se apresentava como uma cruzada dos “cidadãos de bem”
Por Thiago Barison de Oliveira* no Brasil de Fato
Entre as muitas contradições que a epidemia acirra encontra-se a que opõe o neofascismo e o “lavajatismo”. Há pouco, os líderes de um e de outro, Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, romperam publicamente. Vale a pena refletirmos sobre o que os levou ao casamento e, agora, ao divórcio.
Primeiro, caracterizemos as personagens dessa contradição. Tivemos a oportunidade de definir o neofascismo em nosso texto anterior, seguindo Armando Boito Jr.: uma mobilização reacionária de massas da pequena burguesia contra o movimento operário e popular.
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Mas embora este seja seu objetivo de classe, o meio para atingi-lo passa pela agitação do “combate à corrupção”: a corrupção dos valores da dita família tradicional, cujo chefe da casa, muito embora busque ascender pela passarela do mérito, do trabalho e da poupança é jogado para baixo por forças obscuras — na verdade o grande capital.
E tudo isso apoiado numa conspiração vinda de fora, o “pacto de Princeton”, que teria unido o PT ao PSDB (!), e o Foro de São Paulo, cuja pretensão seria acabar de vez com a mágica passarela que um dia pode levar esses heróis do senso comum ao sucesso econômico.
Assim, a frustração, o medo de recair no proletariado e a esperança de ascensão pelo mercado são canalizados pela ideologia fascista. As políticas estatais voltadas às minorias, aos pobres e ao proletariado fazem parte da corrupção a ser combatida, corrupção dos valores e corrupção do mercado.
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A outra personagem, seguindo a sugestão de Ricardo Gebrim, apelidamos “partido Lava Jato” para identificar um ramo da burocracia e do aparato repressivo de Estado, sob a liderança de agentes da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário Federais, que atuaram como representantes e agentes políticos organizadores da alta classe média enquanto base social de massa da ofensiva neoliberal, em substituição aos partidos burgueses tradicionais.
Nas manifestações de rua pelo impeachment, os heróis eram os agentes estatais ligados à Lava Jato. Esse setor do aparato estatal deu o discurso, as bandeiras e ditou o ritmo e o tom das mobilizações. O “combate à corrupção” significava o caminho para pôr fim ao ciclo de governos petistas: desmoralizar, isolar, encarcerar e, assim, interromper a concorrência eleitoral nos padrões anteriores.
Nesse momento da luta, a alta classe média se viu ombro a ombro com o neofascismo. O partido Lava Jato forçou as engrenagens institucionais com seus métodos e sua seletividade, como depois revelou o site de notícias The Intercept Brasil: perseguiu, encarcerou e alijou de atuação política os setores empresariais que sustentavam os governos petistas, bem como os partidos políticos da base aliada e, afinal, o próprio ex-presidente Lula.
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Amplificada pela grande mídia burguesa, essa ação política se apresentava como uma cruzada dos “cidadãos de bem” contra os corruptos, para euforia das hostes fascistas.
Quando a presidente Dilma se revelara incapaz de agir contra essa ação política em curso, após a divulgação ilegal da interceptação telefônica da Presidência da República no episódio da indicação do ex-presidente Lula à Casa Civil, surgiu a frase de um dos líderes do “centrão” e que entrou para a história: “é preciso estancar a sangria; parar onde está; colocar o Michel lá; num acordo, com o Supremo, com tudo”.
Essa cena revela a eficácia da ação política do partido Lava Jato, dirigindo a alta classe média e sendo dirigido pelas frações burguesas da frente neoliberal: enquanto não houvesse o impeachment, os parlamentares se viam ameaçados, pelas canetas dos agentes e pelas manifestações.
Quem se colocasse no caminho seria punido e defenestrado e, ao final, mesmo aqueles que serviram a esse processo foram devorados, como Eduardo Cunha e Michel Temer. É o que pode ocorrer com Jair Bolsonaro a partir de agora.
O neofascismo se mantém fiel à sua base social de massas: a baixa classe média, a pequena burguesia e os trabalhadores da massa marginal cooptados ideologicamente, que, diante dos limites da política social e econômica neoliberal, não têm outra perspectiva viável no prazo de alguns meses senão o fim do isolamento social e o retorno ao trabalho.
Já a alta classe média tem condições materiais, com folga, para permanecer em casa e, por isso, apoia o isolamento social e tem abandonado a sustentação ao governo federal, segundo revelam as pesquisas de opinião.
A burguesia divide-se conforme os ganhos ou perdas que cada setor terá na crise; mas, em seu conjunto, tem sido arrastada para a posição de defesa do isolamento e de suspensão temporária e condicional do neoliberalismo no que se refere aos gastos públicos para evitar o caos social e econômico.
Dessa contradição parece depender o futuro do governo Bolsonaro.
*Thiago Barison de Oliveira é advogado, vice-presidente do Sindicato dos Advogados SP, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e da Consulta Popular