“A Justiça é apenas possível através da eliminação do Estado de Classe” Karl Liebknecht

Por Ana Lúcia

De modo geral existe uma aversão aos advogados, uma ideologia de que todas as advogadas e advogados seriam burgueses, esta premissa se baseia que as forças objetivas da luta de classes conseguem se impor sem o auxílio da luta jurídica.

O papel importante na atuação técnica do profissional do direito em especial da advocacia trabalhista em defesa dos direitos e garantias da classe trabalhadora, também é uma arma importante na luta de classes.

O papel da advocacia neste momento de crise com a pandemia do coronavírus é apontar uma saída estratégica para a classe trabalhadora, é o papel de todas e todos da advocacia trabalhista, para além da atuação técnica.

Estamos passando por uma das mais graves crises enfrentadas pela humanidade, à qual ninguém pode se dar ao luxo de ser indiferente e neutro. O estado está em crise, devido a um acúmulo de fraquezas estruturais e falta de vontade política. Há confusão e desordem em quase todos os setores da vida social, pois o “guardião patriarca” de nossa civilização, o Estado, revelou-se incompetente e cruel nos tempos mais prementes. 

Muitos estão sugerindo que devemos nos unir neste momento de crise e esquecer nossas diferenças políticas, mas estamos diante a uma crise de ordem do futuro da humanidade e o que nos importa é o futuro da classe trabalhadora, é essencial que pensemos politicamente sobre a crise, em vez de renunciar ao nosso direito ao engajamento político.

O neoliberalismo ao longo dos anos provocou uma crise global, onde o próprio planeta corre risco com o aquecimento global, as custas de politicas de retiradas de direitos conquistados ao longo da história, chegando a crise imigratória denominada como “a nova escravidão”, mesma denominação da contrarreforma trabalhista no Brasil, é chegada a hora de construir uma estratégia de longo prazo para reorientar a teoria e a prática da nossa classe.

Primeiro, devemos deixar bem claro que o que estamos vendo não é uma “recessão”. Não é uma “crise financeira”. Essa pandemia do coronavírus é um deslocamento profundo dos componentes essenciais da própria vida econômica e social e a vida econômica e social normal deve mudar profundamente. 

O que queremos dizer é que temos que mudar o modo de vida cruel da economia capitalista em que os trabalhadores são seres descartáveis.

Os trabalhadores pobres deste país já estavam desafiando as estruturas imediatas de opressão e exploração, mulheres, estudantes, movimentos sociais, negras e negros e LGBTQI+, já estavam marchando por seus direitos. A crise atual, devido às limitações na circulação do capital, levará os trabalhadores a irem além da mera negação das estruturas imediatas de opressão, todas e todos já se perguntam: “Que tipo de relações humanas existe sob uma sociedade capitalista neoliberal?”.

Devemos começar a imaginar formas alternativas de ser e de pertencer que não correspondam à lógica da acumulação de capital e do estado, sabemos que quando a crise terminar, as classes dominantes forçarão o povo a pagar pela crise com aumento de desemprego, subemprego, dívidas e preços altos. A única defesa que o povo terá em tal situação será sua capacidade de se auto organizar e resistir.

A criação de organismos de duplo poder, deve fazer parte de uma estratégia de ruptura que transforme as relações sociais existentes, só assim poderemos vencer a crise global do capitalismo e atender às necessidades humanas.

A advocacia trabalhista tem uma localização privilegiada, a “legalidade” que a advocacia é operador, tem respeito pela classe trabalhadora, devemos aproveitar esta localização e apontar a necessidade de criação de formas alternativas de comitês de trabalhadores, para além dos sindicatos, com objetivo de impor limites à acumulação de capital, principalmente quando as pessoas retornarem ao trabalho.

Alguns podem perguntar se esta proposta não é muito simples, até ingênua ou ainda utópica, mas, se pensarmos só em grandes ideias, mas não agirmos específica e localmente, não iremos construir uma nova base para as relações sociais e econômicas alternativas ao capitalismo, desenvolver a ideia de um núcleo para formas alternativas de poder, existindo fora e independentemente das estruturas institucionais é revolucionário.

Os comitês de trabalhadores podem se tornar a força central que fornece ajuda nesses tempos difíceis e se preparar para liderar as massas para uma luta decisiva com o sistema.

A saída estratégica é a construção de uma de uma nova sociedade, uma sociedade socialista, neste momento, não temos nada a perder, a não ser as correntes do passado.

Esta reflexão sobre o papel da advocacia trabalhista para a classe trabalhadora, é baseada nos ensinamentos deixados por Raphael Martinelli, operário que se tornou líder sindical na década de 1940. Após o golpe militar deu continuidade à sua militância através da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que ajudou a fundar ao lado de Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira, preso por duas vezes, que nos deixou este ano, sem antes deixar conselhos a favor da resistência.

[1] Karl Liebknecht. Discursos e Escritos Completos), Vol. 2 : De Fevereiro de 1907 a Fevereiro de 1910, Berlim : Dietz, 1960, pp. 17 e s. 

*Ana Lucia Marchiori é advogada trabalhista especialista e pesquisadora em Justiça de Transição, diretora do SASP, membra do Grupo de pesquisa Capital e Trabalho-GTPC da Faculdade de Direito do Largo São Francisco-USP