Por Márcio Amêndola
O Sindicato das Advogadas e Advogados do Estado de São Paulo chega a seus 70 anos de existência neste dia 15 de setembro. Fundado em 1952 com o objetivo de defender a classe dos advogados empregados, o SASP foi muito além do que se poderia imaginar, participando ativamente da vida social e política do País, abraçando as causas em defesa da democracia e do estado de direito, e se tornando uma referência em combatividade e respeitabilidade.
O primeiro presidente do SASP foi Cristovam Pinto Ferraz, que já em fins de 1951 articulava com outros advogados, entre os quais João Freire, José Pires de Almeida Filho, Abílio Jordão de Magalhães, Paulo Rezende Duarte e Alberto Zirondi Neto (que compuseram a primeira diretoria) entre outros, a fundação da entidade de defesa da categoria.
Segundo o jornal Correio Paulistano, em matéria de 4 de novembro de 1952, a primeira sede do SASP foi instalada estrategicamente na Praça Clóvis Bevilacqua, 351, em uma sala do sexto andar, a poucos metros do prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na mesma reportagem, o jornal já informava que “o Sindicato está tomando providências, a fim de ser suscitado um processo de dissídio coletivo para reajustamento dos salários dos advogados que estejam presos (por cláusulas) ou na dependência de contratos de trabalhos, e bem como a organização de uma tabela de honorários para aqueles colegas que exerçam a profissão liberalmente”, afirmava.
Desde então o Sindicato teve uma intensa participação nos principais acontecimentos do país. No mesmo ano de sua fundação, em 23 de novembro de 1952 o SASP participava da Primeira Convenção Paulista pela Anistia aos Presos e Processados Políticos.
SASP denuncia “Indústria do Acordo” na JT (1963)
Prova da forte atividade do SASP surge em 1963, quando o SASP envia um memorial ao TRT de São Paulo denunciando uma “indústria do acordo na Justiça do Trabalho”, que favorecia os patrões, em detrimento dos trabalhadores, com a conivência de juízes trabalhistas.
Em 1964, nos primeiros dias do Golpe de 1964, o então presidente do SASP, Francisco Léo Munari foi um dos primeiros 120 presos pelo regime de exceção; ele foi rapidamente solto, mas teve cassado o seu cargo de Inspetor do Trabalho em São Paulo. Nos anos que se seguiriam, milhares de pessoas seriam presas e torturadas, centenas assassinadas pela ditadura, e muitas das vítimas eram estudantes de direito ou já formados. Outros tantos advogados e advogadas atuaram na defesa dos presos políticos.
SASP contra a censura à imprensa (1967)
Anos depois, já em 1967, o SASP se posicionou fortemente contra a nova Lei de Imprensa imposta pela ditadura, conhecida na época como ‘Lei Rolha’, por tentar calar os jornais e a Livre Manifestação do Pensamento.
Diante da resistência do SASP à ditadura, e de suas constantes manifestações em defesa da democracia, o Sindicato dos Advogados teve a sua Carta Sindical cassada em 13 de setembro de 1968, no momento em que completava 16 anos de existência. Dizia o documento de cassação, assinado pelo ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho: “Resolvo cassar a carta de reconhecimento do Sindicato dos Advogados de São Paulo, nos termos do artigo 553, e, combinado com o artigo 555, a, ambos da C.L.T. A DRT no Estado de São Paulo, providenciará por intermédio do Ministério Público junto ao Judiciário, a dissolução da entidade”. (O artigo 553, em sua alínea ‘e’, dispõe sobre a cassação da carta de reconhecimento sindical, e o artigo 555 (hoje revogado). Para se ter uma ideia do grau de autoritarismo dessas disposições que levaram à cassação do SASP e de milhares de sindicatos em todo o país na ditadura, o artigo 555 da CLT previa a cassação da Carta Sindical de entidades que se recusassem “ao cumprimento de ato do Presidente da República”, ou ainda, que não obedecessem às “normas emanadas das autoridades corporativas competentes ou às diretrizes da política econômica ditadas pelo Presidente da República, ou criar obstáculos à sua execução”. Assim, qualquer luta sindical ou salarial, qualquer ato de protesto ou organização dos trabalhadores já era motivo suficiente para a dissolução de um sindicato, o que acabou ocorrendo com o SASP.
Nossos Resistentes
Dois dos sobreviventes da resistência à ditadura, presos e torturados foram os jovens Takao Amano e Aton Fon Filho, hoje atuantes no SASP.
Nos anos 1960-80, destacaram-se na luta contra a ditadura os ex-presidentes do SASP, Valter Uzzo e o saudoso João José Sady.
Na redemocratização, uma das vozes contra a ditadura foi o ex-presidente do SASP, Ricardo Gebrim. Sua ação se iniciou no movimento estudantil, quando ainda era um jovem estudante de Direito.
Outros diretores e presidentes que também enfrentaram a ditadura foram Ricardo Trigueiros, José Carlos Arouca, Maria da Penha Guimarães, Vera Bueno, Francisco Léo Munari, Walter de Mendonça Sampaio, entre outros.
Retomada
Em 1983, após 15 anos de paralisação de suas atividades, um grupo de advogados e advogadas decidiu articular a retomada das atividades do Sindicato, entre os quais José Carlos Arouca, Amadeu Garrido de Paula, Paulo de Oliveira, Luiz Athayde Mota, Clodoaldo Fittipaldi e vários outros.
Finalmente, em 1985 o SASP recuperou sua Carta Sindical. No último dia da ditadura do general João Baptista de Oliveira Figueiredo, seu então ministro do trabalho, Murilo Macedo, num ato tardio, cumpriu sua última agenda a serviço de um regime agonizante: devolveu a Carta Sindical do Sindicato dos Advogados, em ato assinado no dia 14 de março de 1985. O despacho lacônico do ministro dizia o seguinte: “Atendendo ao requerido no processo MTb-311.657/83, firma a presente apostila para conceder revigoramento da Carta Sindical do Sindicato dos Advogados de São Paulo”. A Carta foi entregue em mãos, em Brasília, naquela data, pelo próprio ministro Murilo Macedo, aos advogados Luiz Antônio Ataíde Mota e Jorge da Rocha Gonçalves, diretores do SASP.
PRESIDENTES DO SASP
Cristovam Pinto Ferraz, primeiro presidente do SASP, em foto de 1949
Na sua primeira fase, entre 1952 e 1968, o SASP teve entre seus presidentes, o pioneiro Cristovam Pinto Ferraz, e os advogados Vinícius Ferraz Torres, Francisco Léo Munari, Walter de Mendonça Sampaio, até a chegada do interventor da ditadura, José Carlos Graça Wagner, que não fez mais do que acabar com o sindicato.
Em sua segunda fase, após a retomada de 1985, com a recuperação da Carta Sindical, presidiram o SASP os advogados: Amadeu Roberto Garrido de Paula (1985-1991); João José Sady (1991-1996); Valter Uzzo (1996-1999); Ricardo José de Assis Gebrim (1999-2006); Carlos Alberto Duarte (2006-2012); Aldimar de Assis (2012-2018), finalmente, nos dias atuais, Fábio Roberto Gaspar (2018-2023).
Um dos destaques do SASP em sua retomada após a ditadura foi o advogado João José Sady, que empreendeu uma grande luta pelos direitos trabalhistas dos advogados assalariados e pelo piso nacional dos advogados, liderando inclusive greves de advogados empregados em algumas empresas e fundações públicas. Naquela época ele já organizava a Comissão dos Direitos humanos que veio a ser uma referência nacional. Sady foi um brilhante advogado trabalhista, sendo respeitado e admirado por bancas patronais, autor de vários livros sobre Direito.
Nos anos 90, assume a presidência do SASP Valter Uzzo, que liderava um movimento dos advogados trabalhistas contra a extinção da Justiça do Trabalho, quando foi realizada talvez a maior manifestação de advogados na história de São Paulo, em frente ao TRT. Posteriormente, Uzzo representa o SASP no movimento OAB PARA TODOS.
Em 2000 o SASP elege Ricardo Gebrim, tornando o Sindicato uma referência no apoio jurídico e político aos movimentos sociais, liderando ainda um grande movimento em defesa da Soberania Nacional, na luta contra a ALCA – Aliança de Livre Comércio das Américas, na verdade um pacto que favorecia apenas ao mercado dos EUA em relação a seus vizinhos. Por essas e outras lutas, Gebrim é um grande quadro da advocacia ne do Sindicato dos Advogados.
Em 2006, o presidente Carlos Duarte, além de continuar a luta em defesa dos movimentos sociais, trouxe em sua gestão uma grande conquista para o Sindicato, quando foi adquirida a sede atual, na Rua da Abolição, em São Paulo, também conhecida como sede da defesa dos direitos humanos, que leva o nome do saudoso João José Sady. Carlos hoje exerce a presidência da Associação de Amigos da Escola Nacional Florestan Ferandes – AAENFF, e ainda atua ativamente no SASP.
É fundamental registrar também os dois mandatos do Aldimar de Assis: durante suas gestões o Sindicato ganhou dimensão nacional, tendo ingressado com a primeira representação junto ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, face à arbitrariedade e investidas de parte do judiciário contra as prerrogativas da advocacia (advogados e escritórios). Assis foi também um dos articuladores da criação da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que denunciou os abusos da chamada ‘Operação Lava-Jato’ e a prisão arbitrária e sem provas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
MULHERES NO SASP
O SASP em sua primeira fase histórica não teve a participação feminina devido ao fato da advocacia ser um ambiente fortemente masculino até pouco depois da metade do século XX. Aos poucos, muitas mulheres passaram a integrar as lutas do Sindicato, especialmente em sua retomada após a ditadura, em 1985.
Grandes destaques do SASP foram as advogadas Mercedes Lima, Benedita Vera Lúcia Bueno, Maria das Graças Pereira de Mello. Outra advogada muito lembrada pelas lutas do sindicato e da advocacia negra é Maria da Penha Santos Lopes Guimarães. Em 24 de agosto de 2017 o Auditório do SASP recebeu o seu nome, e uma placa em sua memória. Hoje a participação feminina no SASP é fundamental para as suas atividades, com várias advogadas ocupando cargos de direção.
LUTAS ATUAIS E A COMBATIVIDADE DO SASP
Posse da diretoria do SASP em 2018
O SASP nos últimos anos tem enfrentado muitos desafios, entre os quais o da retomada conservadora ao comando do país após o chamado ‘Golpe de 2016’, quando a presidenta Dilma Rousseff foi apeada do poder por um golpe parlamentar.
Desde então, o SASP vem lutando contra os efeitos nefastos das Reformas Trabalhista e Previdenciária, e contra a precarização do trabalho, que levou à fome e ao desemprego milhões de trabalhadores e trabalhadoras neste país.
Em 2022 lutou com sucesso contra a tentativa de extinção da Advocacia Assalariada, num casuísmo que se tentou implantar no Estatuto da Advocacia.
Durante as manifestações pela democracia e o estado de direito, nas greves de estudantes, professores e trabalhadores em geral, nas manifestações dos movimentos sociais, o SASP tem mantido Plantões Jurídicos para amparar manifestantes vítimas de violência e arbitrariedades, como prisões injustificadas e a criminalização pelo simples ato de protestar.
Muito ainda está por vir, nossa democracia nunca esteve tão ameaçada após quatro anos de um desgoverno corrupto e saudoso da ditadura. O SASP assinou a Carta pela Democracia e esteve presente no ato realizado no Largo São Francisco em 11 de agosto. Em outubro estará novamente de plantão durante o processo eleitoral, para garantir e preservar as liberdades democráticas. Seguirmos cumprindo nosso papel histórico de defesa da democracia, da advocacia e do estado de direito.
*Márcio Amêndola – Comunicação SASP