O Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP) promoveu no dia 27 de junho, quinta-feira, um debate em sua sede, sobre o desmonte dos direitos sociais no Brasil e no mundo, sob a perspectiva da OIT, a Organização Internacional do Trabalho.
O evento teve o apoio da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, e ADJC – Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania. A organização foi de Alessandra Camarano, presidente da ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.
O debate teve a participação da desembargadora aposentada do TRT-4, Magda Barros Boavaschi, da presidente da ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Alessandra Camarano Martins, e do Coordenador do Núcleo de Direito Internacional do Trabalho da OAB-SP, Antonio Rodrigues Freitas Junior. A mediação do debate foi do Presidente do SASP, o advogado Fábio Roberto Gaspar.
Ao final do evento, foi lançada a segunda edição do livro “Feminismo, Pluralismo e Democracia”, da Editora RTM (2019), com artigos de diversas autoras.
Abrindo o debate, o presidente do SASP, Fábio Gaspar falou da importância de trazer à luz o tema da questão do direito do trabalho, que vem sofrendo ataques não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, num movimento que prejudica fortemente os trabalhadores.
“Estamos perdendo para o autoritarismo”
A primeira a se manifestar, Alessandra Camarano Martins, atual presidente da ABRAT, afirmou que “o autoritarismo está presente em cada ação deste governo, e em cada um de seus membros, do Itamaraty até a Presidência”, denunciando que uma representante do governo Bolsonaro teria mentido em reunião da OIT, a Organização Internacional do Trabalho sobre as condições de nossos trabalhadores, e que “surpreendentemente no Brasil as pessoas dormiram empregadas, e acordaram empreendedoras”, ironizou, referindo-se à precarização do trabalho no Brasil.
Para ela, as normas internacionais do trabalho não vêm sendo observadas no Brasil, nem em outras partes do mundo. Dois aspectos mais sensíveis, lembrados por Camarano, foram o cerceamento à liberdade sindical, e às questões de gênero envolvidas na redução dos direitos, com efeitos mais dramáticos contra as mulheres.
Para ela, estão destruindo lutas sociais de mais de 100 anos em apenas seis meses. Lembrou que após a crise econômica global de 1929 gerou o surgimento do Seguro-Desemprego, que agora pode ser extinto, num momento em que o País tem mais de 13 milhões de desempregados.
Entre outros aspectos de retrocesso, ela destacou também os ataques ao princípio da Liberdade Sindical, que o atual governo “não engole”, e tenta destruir, atacando a livre organização dos trabalhadores e o direito de greve. Para Alessandra, “greve é o direito de incomodar, pois se o trabalhador não incomoda, não conquista seus direitos”.
Ela citou a intolerância de instâncias da Justiça contra o direito de greve dos trabalhadores, citando casos concretos, como uma liminar do TRT-10, que proibiu um sindicato de fazer greve, e outra do TRT-2, que em tese ‘autorizava’ uma greve de transportes, desde que 100% dos serviços fossem mantidos, o que inviabilizava a paralisação. Em ambos os casos as multas eram de R$ 100 mil, em caso de desobediência. Até o TRF-1 de Brasília, que não é um tribunal trabalhista, chegou a proibir uma greve recente, impondo uma multa de R$ 1 milhão, caso um sindicato local desobedecesse a ordem. Para Alessandra Camarano, “o direito do trabalho está sofrendo ataques todos os dias; nós estamos perdendo para o autoritarismo”, lamentou.
Na OIT, uma votação sobre a igualdade de gênero no trabalho não foi aprovada por unanimidade, reduzindo o que poderia ser uma Convenção, para uma simples recomendação, o que Alessandra lamentou. Questões comemoradas recentemente, como a do ‘teletrabalho’ em casa poderá ser um problema para mulheres, que ao ficarem em suas residências, acumulam tarefas domésticas com o trabalho remunerado. Além disso, para ela, a Reforma da Previdência e o Contrato de Trabalho Intermitente, são especialmente mais perversos contra as mulheres.
Finalizando, outro aspecto muito destacado pela advogada Alessandra Camarano foi que a desregulamentação das relações de trabalho, em nome de uma negociação direta entre patrões e trabalhadores, na prática, coloca em desvantagem o lado mais fraco, que é o dos empregados.
“Aproximar o direito do trabalho dos direitos humanos e sociais”
O professor Antonio Rodrigues Freitas Junior, do Núcleo de Direito Internacional do Trabalho da OAB-SP, disse que o debate brasileiro está repleto de um discurso viciado. “Temos a agenda da boçalidade e uma agenda do golpismo”. Para ele, seria até melhor ter um presidente (do Brasil) conservador do ponto de vista ideológico, mas para ele, os presidentes dos EUA (Trump) e do Brasil (Bolsonaro) não são sequer isso, e causam muito desarranjo político e institucional em seus países.
Para ele, ao invés do direito do trabalho avançar ao século 21, está retrocedendo para o século 19. Freitas Jr crê que “o populismo não gosta do sindicato porque este faz a mediação entre o capital e o trabalho, e o populismo só quer falar para os seus liderados, diretamente”.
Para Freitas, o atual momento conjuntural mostra transformações econômicas com um ambiente de trabalho fraturado, fissurado, e temos que pensar estratégias, de buscar a recuperação e retomada dos direitos do trabalho, durante o governo Bolsonaro, mas principalmente no pós-governo, “mas é preciso saber que direito do trabalho a gente quer”, lembrando que a destruição da CLT de Vargas foi o fim de um ciclo, e agora atacam até os direitos dos professores, por exemplo, e os direitos sindicais, e tudo isso demandará um grande processo de reconstrução e reorganização. Para Antonio Freitas, “é preciso também aproximar o direito do trabalho dos direitos humanos e sociais”.
“Autonomia das vontades” e expulsão do Estado como mediador
A desembargadora Magda Barros Boavaschi lembrou que princípios são construções históricas, e que o princípio da colegialidade, recentemente defendido pelo STF é incoerente e anacrônico deste ponto de vista. Para ela, não se pode ver o Judiciário de uma forma “romântica”, e que este é fruto de uma condensação social de forças; neste sentido, ela disse concordar com a frase cantada por Elza Soares, que diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra, e o camburão é o navio negreiro” moderno, ou seja, o lado mais fraco acaba perdendo, eventualmente.
Para Magda Barros, a reforma trabalhista é a regressão a uma pretensa “autonomia das vontades”, e mesmo com as proibições e restrições legais à rebeldia a estes absurdos que vem sendo sistematicamente aprovados no Brasil, os trabalhadores, já no século 19 se organizavam e lutavam, a despeito das proibições de sua organização, que eram muito mais severas na época.
E o direito do trabalho surgiu de muitas lutas, citando como exemplo, a Encíclica do Papa Leão XIII sobre o trabalho (Encíclica Rerum Novarum), além da luta de anarquistas, positivistas, sufragistas (mulheres na luta pelo direito ao voto feminino).
Para Magda, está havendo nesse momento um conflito, pois a “autonomia das vontades” pregada pelos conservadores nas relações de trabalho, “está em choque com as desigualdades do pacto social, pois não há pacto social sem igualdade”, e não se pode tratar como iguais, aqueles que são desiguais, referindo-se ao dever do Estado em proteger os mais fracos, e que hoje está havendo uma subversão destes valores e princípios em relação aos deveres do Estado com a sociedade.
Sai então a mediação do Estado nas relações do trabalho, entram as relações interpessoais, de indivíduo (patrão) com indivíduo (empregado), o que era a essência nas relações sociais do século 19, e que haviam sido superadas, pelo acúmulo das lutas dos trabalhadores. Surgem agora ‘novos conceitos’ como o do negociado sobre o legislado, a desregulamentação do trabalho como desculpa para a geração de empregos, mas que só precarizam as formas de ocupação, como os professores contratados via OSCIPs ou ONGs, por exemplo, sem direitos sindicais e proteção previdenciária.
A juíza ressalta que a retirada da regulação pública como fonte prevalente é uma demanda dos patrões, pois “a Justiça do Trabalho é uma pedra no sapato”, e que súmulas têm sido retiradas ou invalidadas, o que é muito grave.
Esta prevalência do “encontro das vontades” oferece aos empresários um cardápio de contratações antes ilegais e atípicas, agora legalizadas com a reforma trabalhista, como a terceirização de áreas fins, e o trabalho intermitente, ou a ‘pejotização’, como se não houvesse mais patrões e empregados, mas empresários que trocam serviços, numa volta ao século 19, quando não havia nenhuma proteção social ao trabalho. Para Magda, este modelo de super exploração do trabalho foi um dos fatores que levou a duas Guerras Mundiais no século XX (as de 1914-18, e de 1939-45).
Para ela, a volta de um Estado de Bem Estar Social é quase impossível num momento em que a lógica do Capital Financeiro está instalada em várias economias do mundo, e neste cenário é muito difícil o diálogo social. “O capitalismo financeiro num movimento deletério arrasa direitos, sob o manto, sob o canto da sereia de um movimento rumo à liberdade entre os indivíduos”, lamenta. Para ela, “isso proporcionou que jagunços em bando assumissem o poder”, lamentou Magda Barros.
Após o debate, foi lançado o livro “Feminismo, Pluralismo e Democracia”, e realizada uma pequena confraternização entre os organizadores do evento e os convidados.
(Comunicação do SASP)