O SASP – Sindicato dos Advogados de SP realizou no dia 16 de abril em sua sede, na Rua da Abolição, em São Paulo um debate sobre “o pacote anti-crime de Moro – a solução fake”, com a participação de três importantes figuras do mundo jurídico e acadêmico: a professora Juliana Borges, consultora e pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, formada pela Universidade de São Paulo; o advogado criminalista Guilherme Octávio Batochio, Conselheiro Federal da OAB; e o também advogado Cristiano Maronna, mestre em Direito Penal pela USP, Conselheiro Seccional e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, além de ter sido presidente do IBCCrim.
O ‘Pacote Anti-Crime’ apresentado pelo Ministério da Justiça ao Congresso Nacional tem sido alvo de críticas no mundo jurídico e por amplos setores da sociedade civil organizada. A proposta tem dois projetos de lei e um projeto de lei complementar que, se aprovados, podem alterar 14 leis, entre as quais o o Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848/1940), o Código de Processo Penal (CPP, Decreto-lei nº 3.689/1941), a Lei de Execuções Penais (nº 7.210/1984), a Lei de Crimes Hediondos (nº 8.072/1990), e o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965).
Abrindo o debate, o coordenador do núcleo de advocacia criminal do SASP, Pedro Martinez explicou o contexto do atual governo no enfrentamento da violência, que “se utiliza do caos como método, sendo aplicado no dia a dia um estado policial, e o desmonte das políticas públicas, e este pacote fake anticrime vai apenas aprofundar a supressão de direitos neste país”, alertou. Em seguida anunciou os convidados para o debate, e foi apresentado um filme sobre a questão da violência no Brasil, e o chamado “Pacote Anti-Crime – Solução Fake”.
O primeiro convidado a fazer suas reflexões foi o advogado Guilherme Batochio, que afirmou que o pacote anti-crime é “inconstitucional por contrariar o ordenamento jurídico brasileiro”. Para ele, as alterações que Sérgio Moro defende também são desfavoráveis aos réus no sentido da garantia da ampla defesa, e ainda, que “distorce o instituto da colaboração premiada, que fica totalmente a critério do Ministério Público”, que pode pressionar réus e distorcer a prova, induzindo delações sem base na realidade.
Batochio
Para Batochio, o projeto de Moro e do governo Bolsonaro, contraria três pilares do direito, que são a voluntariedade, a regularidade e a legalidade do devido processo legal. Esse tipo de abordagem processoal atípica, segundo ele, vem sendo contestada em outras partes do mundo, como nos EUA, que tem uma forte tradição no direito.
Para ele, o projeto tenta legalizar “o que eles já vem praticando, querem legitimar a república de Curitiba”, lamentou.
Juliana Borges
A pesquisadora e escritora Juliana Borges vê com grande preocupação o projeto anti-crime, para ela, mais uma violência do Estado contra as minorias, especialmente a população negra e pobre. Ela vê um crescente aumento da violência e de homicídios no Brasil “com cortes de classe, gênero e raça”, e que isso vai piorar se for aprovada a parte do projeto em que policiais serão isentados de responder por homicídios praticados em serviço, sob o manto do “excludente de licitude”. Para ela, está havendo um embate “entre o direito de defesa e o direito de matar; é como esse pacote anti-crime soa para mim”.
Ela também vê com estranheza a possibilidade de agentes estrangeiros de segurança poderem ser autorizados a colaborar com o Brasil, em território nacional. “Vamos virar a Colômbia?”, indaga.
Mas para Juliana, o mais impactante na política de segurança do Brasil e nos EUA é o corte de raça. “Homens negros são mostrados excessivamente no noticiário como criminosos”, levando, segundo ela, a propria população negra a ter medo de outros negros. Para ela, o pacote anti-crime de Moro vai criar uma espécie de ‘Necropolítica’, e que “todo mundo vai ter o seu dia de preto no Brasil”, com a ampliação da violência do Estado contra os cidadãos. Para ela, “querem instaurar uma política cotidiana de morte”, e isso leva a população a ter mais medo da polícia do que dos criminosos.
Cristiano Maronna
O advogado Cristiano Maronna concordou com as ponderações de seus antecessores, e afirmou que o projeto de Moro é um “pacote anti-direitos e que teve sua origem nas dez medidas contra a corrupção lançadas pelo Ministério Público durante a Lava-Jato”. Ele diz que, na verdade, não eram apenas medidas contra a corrupção, mas sugestões de profundas alterações na lei penal. “O sucesso da Lava-Jato foi a universalização do arbítrio”, denuncia.
Para Maronna, Moro e o governo Bolsonaro “estão legalizando o indevido processo legal”, e que este projeto representa a vulnerabilização do cidadão em favor de um Estado repressor”, lamenta, afirmando que no Brasil “estão usando a prisão como o único recurso, a única e primeira punição”, contrariando a própria lei penal e a Constituição Federal. Para ele, o Judiciário está “comprometido com a predação dos valores constitucionais”, com a “punição a qualquer custo, e extremada, como regra”, o que levou a mais de 700 mil pessoas encarceradas no país, a maioria pobres.
Ao final do debate, o presidente do SASP, Fábio Gaspar lembrou que “o Sindicato dos Advogados tem sido uma referência na luta pelo estado democrático de direito e pela advocacia combativa, graças aos esforços e companheirismo que conseguimos estabelecer, e sabemos que somente através da unidade poderemos enfrentar o que vem por aí, como esse projeto anti-crime”. Gaspar agradeceu especialmente os convidados que aceitaram debater e compartilhar suas opiniões sobre o polêmico projeto do governo Bolsonaro.
(Comunicação SASP)
PROPOSTAS LEGISLATIVAS
Para acesso à íntegra das propostas no “Pacote Anti-Crime”, acesse:
PL 881/2019
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192352
PL 882/2019
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192353
PLC 38/2019
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192354
FILME
Para assistir ao filme: “Pacote Anti-Crime: uma solução FAKE” (duração de 5:40 min), acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=oUqc5aJnQEQ