“A Justiça não pode acolher a destruição simbólica de pessoas por conta de fatos que não estejam devidamente comprovados”, diz o advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP
São Paulo – “Estamos em um momento em que a sociedade está tomada, corretamente, por uma grande indignação por tudo que ocorreu na Petrobras, e que há um grande movimento, moralista ou moral, de recuperação da dignidade da atividade pública. O problema é que tem algumas pessoas que estão sendo envolvidas nisso sem que haja provas. E esse é o caso do Lula.”
A análise acima é do advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano, que afirmou, em entrevista ao Jornal Brasil Atual, concordar com o parecer do Ministério Público Federal (MPF) favorável pela apreciação de um pedido de suspeição do juiz Sérgio Moro feito pela defesa do ex-presidente Lula no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Creio que está havendo um momento em que se aproveita de uma boa investigação policial, uma boa investigação do Ministério Público, para incluir nisso um pacote político”, aponta.
“Lula foi acusado de cometer corrupção a partir de três contratos com a Petrobras, e como não se comprovou isso no processo, o juiz vai e condena por outro crime: ‘ele recebeu benefício, e isso é suficiente’. Só que a lei não acha isso suficiente, e coloca outros requisitos que não foram cumpridos. De fato, se inventou um enquadramento dele (Lula) em um tipo abstrato de corrupção que não existe, não está escrito no Código Penal. Isso é muito grave no plano jurídico”, sustenta.
Destruição simbólica e delações
Pedro Serrano acredita que, com os rumos tomados pela Operação Lava Jato acabaram desvirtuando o propósito original das investigações. “Fez-se uma coisa muito boa que foi combater uma organização criminosa que tomava conta da principal estatal brasileira, mas disso se expandiu para incluir muita gente que não tem nada a ver”, afirma. “O combate à corrupção é correto, mas o discurso que se criou em torno desse combate teve uso político e isso põe uma suspeita sobre a sua legitimidade e veracidade.”
O professor da PUC-SP também criticou a forma como têm sido utilizadas as delações premiadas. “Está havendo uma postura inadequada das autoridades que investigam, e aí não é um problema de ninguém especificamente, mas há um envolvimento de lideranças políticas e pessoas normais em delações, por exemplo, sem nenhuma prova”, pontua. “Não há um filtro se o delator apresenta ou não algum indício ou prova, e já se divulga o que ele falou abertamente. Agora, estão começando a aparecer fatos que não tem comprovação, muitas vezes isso implica em mentira, a pessoa às vezes inventa uma situação que depois não se pode provar que é mentira. A Justiça não pode acolher a destruição simbólica de pessoas por conta de fatos que não estejam devidamente comprovados, porque é evidente que um delator faz qualquer coisa para atender o que ele acha que é o interesse do acusador. Se é crime, ele entrega, e se não tem, ele cria.”
O papel da mídia nos julgamentos penais
A influência de veículos da mídia na condução de julgamentos na esfera penal também foi um tema abordado por Serrano. “Existem países que tentam experimentar formas de mitigação desse efeito, mas é muito difícil, uma contradição que há nas democracias contemporâneas. Os casos que chamam a atenção do público – às vezes legitimamente porque existe o interesse público envolvido – acabam sendo casos conduzidos não da forma regular e normal. Nesses casos, têm que haver ainda mais cuidados com os direitos do acusado para não haver dúvida de que a decisão da Justiça foi jurídica e não política”, explica. “É preciso haver cautela das autoridades públicas, elas têm que ter contenção. Sei que é difícil, hoje vivemos em uma sociedade onde a vaidade superou a cobiça como pecado capital dos nossos tempos, mas de qualquer forma precisa haver essa elevação de espírito. No mundo democrático é preferível não condenar um culpado do que prender um inocente.”
“São raros os lugares do mundo, diria que só vi isso no Brasil, em que mal se inicia a investigação e ela já está na Globo ou na mídia. A investigação deve ocorrer de maneira silente, até para ser eficaz. O interesse não é só na preservação dos direitos do investigado, mas na própria eficácia da investigação”, defende. “Há que se ter discrição para se ter eficiência na investigação e é preciso preservar a imagem de pessoas que incorretamente tenham sido envolvidas, qualquer um de nós pode ser envolvido em uma investigação estatal.”
Corrupção e falsa esperança
Serrano vê com preocupação as consequências do dito “combate à corrupção” representado por operações como a Lava Jato para a sociedade de um modo geral. “O pior que vejo é o rescaldo que vai sobrar disso. Todos os estudos criminológicos e o estudo histórico do Direito são fartos em demonstrações de que o direito penal não serve como solução para problemas sistêmicos, sejam eles quais forem. Temos no Brasil uma corrupção sistêmica, é verdadeiro quando as pessoas falam isso, mas o direito penal não serve a esse fim, ele chega tarde, depois de muito tempo que o fato ocorreu. Ele não captura tudo que ocorreu nunca e pode capturar errado, cometer injustiças. O sistema penal é falho como sistema para poder dar conta de problemas como a criminalidade sistêmica, não há como ter eficiência nisso”, avalia.
“O meu medo é o rescaldo disso. Quando a população descobrir que isso não vai resolver a corrupção, como vai ser? A apatia, talvez, ou então o surgimento de alguma liderança populista como houve na Itália. Não posso imaginar o que vai acontecer, mas certamente será algo muito ruim, porque estão criando uma esperança na população que a história já demonstrou ser fantasiosa. O sistema penal não soluciona esse tipo de problema.”
*RBA