* Altamiro Borges
Um dos maiores responsáveis pelo atual genocídio de palestinos e libaneses é um ex-sindicalista. Amir Peretz, ministro da Defesa de Israel, foi durante onze anos presidente da Histradut – a rica confederação sindical israelense. Quanto nomeado ministro pelo governo de Ehud Olmert, em março passado, ele era visto pela comunidade local e internacional como uma esperança de paz para a região. Na prática, porém, tem se mostrado um carrasco frio e sanguinário. Todos os dias, ele surge raivoso na mídia para justificar a feroz ofensiva militar contra o Líbano e a Palestina. Também não esconde suas intenções de atacar a Síria e o Irã. “Não haverá cessar-fogo enquanto Israel não atingir os seus objetivos”, esbraveja diariamente.
No atual gabinete sionista, Peretz tem adotado as posições mais inflexíveis. Artigo recente da agência de notícias EFE revelou que o governo israelense estaria dividido sobre o alcance de sua ofensiva no Libano. Enquanto o primeiro-ministro Olmert está reticente quanto ao avanço das forças terrestres, temendo o desgaste mundial e a resistência do Hezbollah, o ex-sindicalista “já comunicou aos comandantes militares que se preparem para a próxima etapa da operação” e solicitou a ampliação do número de reservistas, de 10 mil para 22 mil soldados. “O plano de Peretz prevê que o Exército chegue até o porto libanês de Tiro, que seria ocupado por tropas israelenses”, garante a agência com base em informações do jornal Haaretz.
A sua crueldade é tamanha que um grupo de juristas de Marrocos, onde nasceu o atual ministro, já entrou com uma ação no tribunal penal de Rabat por “crimes de guerra no Líbano”. Segundo os três advogados, este “terrorista e criminoso sionista conservou nacionalidade marroquina e ainda está inscrito no registro civil do Marrocos”. Eles alegam que “as declarações políticas e instruções dadas por Peretz ao Exército contribuíram para os assassinatos coletivos cometidos no Líbano contra civis inocentes e desarmados”. Ao final, o grupo de renomados juristas solicita que o governo do Marrocos acione a Interpol com uma “ordem de detenção internacional” contra o sanguinário ministro da Defesa de Israel.
Uma trajetória errática
Segundo a minuciosa biografia produzida por Yossi Schwartz, em reportagem no jornal El Militante de dezembro de 2005, o ex-sindicalista teve uma carreira política meteórica e bastante errática. Nascido na cidade marroquina de Bojar, sua família migrou para Israel em 1956. Ferido na guerra em 1973, tornou-se produtor rural na região e só despontou para a política em 1983, quando foi eleito prefeito de Sderot. Em 1994, ele chegou à direção nacional da Histradut, secundando o presidente Haim Ramon, que promoveu profundas mudanças nas históricas e lucrativas empresas da central sindical. Ao invés de democratizar a sua gestão, Haim Ramon decidiu vender parte delas à iniciativa privada e sofreu forte desgaste nas bases.
Amir Peretz foi eleito presidente da Histradut em dezembro de 1995. Nos primeiros anos, atuou como um ativo militante, dirigindo várias greves. “Entretanto, logo moderou a sua posição e tornou-se responsável por sabotar muitas lutas. Apesar da sua retórica de esquerda, ele colaborou bastante com o governo para impor ‘reformas estruturais’, o que significou entregar a economia israelense, conhecida no passado como fortemente estatal e sob controle da Histradut e do Estado, a uns poucos ricos que hoje governam Israel”. Já no governo de Ariel Sharon, ele voltou a liderar manifestações e greves contra as amargas medidas neoliberais nas áreas trabalhista e previdenciária, ganhando prestígio entre as camadas mais populares.
Em 1999, Peretz fundou o seu próprio partido (Am Ehad), mas os resultados eleitorais foram pífios. Em 2004, retornou ao Partido Trabalhista, “já com a ambição pessoal de se converter em primeiro-ministro de Israel”. No final do ano passado, o seu grupo conquistou a maioria no interior do trabalhismo, derrotando o histórico líder Simon Peres. O próprio Militante, de matriz trotskista, encarou o surpreendente resultado como algo positivo. “Com Peretz no comando do trabalhismo, o cenário político de Israel está mudando. Em função dos seus antecendentes, pela primeira vez em anos o país terá os dois partidos principais que não se parecem almas gêmeas servindo abertamente à classe capitalista” – apostou Yossi Schwartz.
Durante a campanha eleitoral de março passado, o novo presidente do partido laborista se comprometeu a dobrar o valor do salário mínimo e a fortalecer a proteção social do Estado. Atualmente, Israel gasta 30% do seu orçamento em segurança e apenas 6% em políticas sociais; a taxa de desemprego aberto já é de 9% e o número de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza pulou de 15 para 20,5% em 15 anos. As propostas de Peretz fizeram com que “a bolsa de valores e a moeda local, shekel, reagissem nervosamente com medo de que o novo líder trabalhista girasse o país à esquerda”. Mas sua indicação para o Ministério da Defesa do governo de Ehud Olmert causou outra surpresa na política israelense e acalmou o chamado mercado. Novamente, ele mudou radicalmente de posições, deixando aflorar seu nacionalismo de direita.
CUT, Histradut e Ciosl
Como observa Schartz, o ex-sindicalista nunca teve uma concepção classista – no máximo, defendeu os interesses econômicos e corporativos de camadas dos trabalhadores. “Embora as suas declarações sejam populares, ele sempre se disse comprometido com a economia de mercado. Aqui temos a sua contradição. Por um lado, ele promete muito para os trabalhadores; por outro, diz que defende o capitalismo”. Já na complexa questão nacional, na tensa relação entre árabes-judeus, ele sempre teve posições dúbias. Foi um dos fundadores do movimento Paz Agora; já nos anos 80, integrou o grupo de oito deputados trabalhistas favorável à solução negociada do conflito e, inclusive, foi contra os assentamentos judeus na Cisjordânia.
Mas ele sempre colocou os interesses nacionais acima das questões de classe. Em função do nacionalismo xenófobo, ele nunca se opôs frontalmente às ambições geopolíticas e econômicas dos EUA, que armam e financiam o Estado terrorista de Israel para garantir o seu domínio na região. Na verdade, esta política expressa exatamente o pensamento dominante na maior parte do sindicalismo israelense, que sempre foi partidário do pragmatismo exacerbado – da chamada concepção sindical tradeunionista. Como demonstra Schwartz, em outro texto revelador, Apuntes sobre la historia del movimiento obrero em Medio Oriente, a atuação da Histradut sempre teve uma forte marca racista, carregada de preconceitos contra os árabes.
Em decorrência desta orientação pragmática, a Histradut sempre gozou de muita influência no interior da Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl), fundada em 1948 sob a hegemonia do mafioso sindicalismo dos EUA e das centrais socialdemocratas da Europa. Isto ajuda a explicar porque até agora a Ciosl apenas emitiu um tímido comunicado sobre o atual genocídio no Líbano e na Palestina, taxando a resistência de “terrorista” e criticando apenas o “excessso do uso de força” por parte de Israel. Nesta região, onde são mais agudas as contradições entre as nações periféricas e o imperialismo, a Ciosl conta com poucas centrais árabes afiliadas porque é vista como um fiel instrumento de Israel e dos EUA.
Diante da matança na região, que já dizimou mais de mil libaneses – incluindo 200 crianças -, as centrais brasileiras filiadas à Ciosl (CUT, Força Sindical e CGT) têm a obrigação moral e humanista de exigir uma postura mais firme desta entidade mundial e, além disso, de criticar as posições assumidas pela Histradut e por seu ex-presidente, Amir Peretz, o “carrasco do Libano”. No caso da CUT, seu secretário de relações internacionais, João Felício, já divulgou uma dura condenação à “ação terrorista de Israel”. Ela também faz parte do comitê de solidariedade ao povo libanês e participou da passeata contra a guerra ocorrida no último dia 6. A gravidade do genocídio, porém, exige uma política internacionalista mais ativa, que ajude a desmascarar e a barrar a barbárie humana promovida pelo Estado terrorista de Israel, a mando dos EUA.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PcdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).