Apesar de ocupar 21% do território brasileiro, o Cerrado acabou ficando de lado na discussão da necessidade de preservação ambiental. Estudiosos do bioma afirmam que o desprezo pode ter acontecido por causa da cobertura vegetal mais rarefeita e a concorrência com outros biomas exuberantes, como a Amazônia e a Mata Atlântica. “Isso começa desde a comunidade internacional. Um estrangeiro, em geral, não sabe nem que o Cerrado existe”, aponta Guarino Colli.
Um dos grandes sintomas do abandono do ecossistema é o número de Unidades de Conservação. Atualmente, apenas 2,2% do bioma está protegido pelo governo. Somando-se às áreas particulares, como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, o número alcança 4,4%.
De acordo com Fabiana Aquino, pesquisadora da Embrapa Cerrados, com poucas áreas de proteção, muitas espécies de animais e vegetais que ocorrem somente em alguns lugares do Cerrado correm o risco de desaparecer rapidamente. “Estima-se que 20% das espécies ameaçadas ou endêmicas não ocorram nas áreas legalmente protegidas. Ou seja, é necessário que outras áreas fora das Unidades de Conservação sejam preservadas para que, a fauna e flora do Cerrado persistam em longo prazo”, alerta.
O baixo número de UCs também impede a ocorrência de Corredores de Biodiversidade – redes de parques, reservas e áreas privadas próximas uma das outras que impedem o isolamento das florestas, garantindo a sobrevivência do maior número de espécies e o equilíbrio dos ecossistemas. Grandes predadores, como a onça, dependem de áreas como essas para viver.
Não bastasse a pequena área destinada à proteção ambiental no Cerrado, o governador do Tocantins, Marcelo Miranda (PSDB), aprovou em abril de 2005 uma lei que reduz em 81% o território da Área de Proteção Ambiental da Ilha do Bananal/Cantão. A reserva tinha 1,7 milhões de hectares, que seriam diminuídos para cerca de 185 mil.
Na época, Miranda alegou que a redução atendia a pedidos de comunidades da região, que ficaram com seu sustento comprometido. O Ministério Público Federal (MPF) do Tocantins, contudo, entendeu que o intuito da lei era favorecer o agronegócio, e seria prejudicial ao meio ambiente. Com uma ação impetrada na Justiça Federal, o MPF conseguiu impedir que a legislação entrasse em vigor.
Outros planos
Na última quarta-feira, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de projeto de emenda constitucional (PEC) que dá ao Cerrado e a Caatinga o status de patrimônio nacional. A medida agora precisa passar pelo plenário da casa e pelo Senado e, se aprovada, permitirá que se criem regras de proteção para esses ecossistemas em locais que estão fora de unidades de conservação. Regras semelhantes existem para Amazônia, onde só é permitido desmatar 20% das propriedades. No Cerrado, a conta é inversa: 80% da cobertura vegetal pode ser retirada. A PEC estava emperrada há 11 anos, quando foi proposta pelos deputados Gervásio Oliveira (PMDB-AP) e Pedro Wilson (PT-GO).
Para a Rosane Bastos, o projeto de desenvolvimento que conta com o Cerrado apenas como terra a ser explorada é o que determina a sua destruição. “A visão do Cerrado como um celeiro do Brasil tem determinado essa falta de políticas e essa ação predatória da soja, cana, milho, algodão e pecuária”. Guarino Colli concorda com a colega, e destaca os olhos mais voltados à balança comercial do que ao meio ambiente: “O Brasil depende muito da exportação de grãos. Por isso, o governo não está nem aí para o que acontece com o Cerrado”.
Valorização tardia
O ritmo acelerado de destruição do ecossistema fez com que estudiosos e organizações voltassem os olhos para o segundo maior bioma brasileiro. Hoje, o Cerrado ocupa o posto de savana que tem mais biodiversidade no mundo, à frente até mesmo das suas equivalentes africanas.
De acordo com uma classificação elaborada pela Conservação Internacional, o Cerrado é um dos 34 hotspots mundiais, como são identificadas as regiões naturais mais biodiversas e ameaçadas do planeta, ou seja, local rico em espécies endêmicas (que só ocorrem na região) e elevado grau de ameaça. O Fundo Mundial para a Vida Silvestre (WWF) o classifica como uma das ecorregiões mais importantes do planeta.
Enquanto se descobre a biodiversidade, números da Fundação Biodiversitas mostram que até 2003 havia pelo menos 65 espécies animais que dependiam do bioma e estavam em risco de extinção. Entre elas figuram o Lobo Guará, a Jaguatirica, a Ariranha, o Tatu Canastra e o Tamanduá Bandeira. A principal causa da morte desses animais é a perda do seu habitat natural. Apesar do número alto, Colli afirma que ele é subdimensionado. “O Cerrado está mal representado nas listas de espécies de extinção Ainda temos um conhecimento restrito sobre a distribuição das espécies no Cerrado”, explica.
Os recursos hídricos do Cerrado são outra questão preocupante para os pesquisadores. Hoje, a região já padece da contaminação dos rios, causada principalmente pelo alto uso de agrotóxicos e insumos agrícolas para a correção dos solos pobres e ácidos. Como o Cerrado é um grande centro dispersor de água para as três principais bacias brasileiras (Tocantins-Amazônica, Paranaíba-Paraná e São Francisco), os problemas ambientais que o afetam podem desencadear efeitos negativos por quase todo o país.