Fraude ao vínculo de emprego pela falsa pejotização – Tema 1.389, repercussão geral

por | maio 27, 2025 | Artigos, Geral

A pejotização precariza o trabalho, fragiliza direitos, esvazia a Justiça do Trabalho e ameaça a própria advocacia trabalhista no Brasil.

Por Márcia Aparecida de Freitas no Migalhas 

Os direitos criados na CLT para proteger o trabalhador com as garantias de salário mínimo, férias, 13º, FGTS etc conseguiram, ao longo de muitos anos, elevar a classe trabalhadora do país à vida minimamente digna sem retirar o lucro das grandes empresas, que alcançaram níveis consideravelmente altos.

Na década de 80, o fenômeno da terceirização tomou proporções maiores, sendo amplamente utilizado no setor empresarial com a finalidade de aumentar, ainda mais, sua margem de lucro e está em debate no âmbito da justiça do trabalho há muitos anos, sobretudo, por decorrência de fraudes perpetradas contra o trabalhador, que não raramente é compelido à contratação como terceirizado, quando exerce o trabalho com exclusividade e demais requisitos previstos na legislação trabalhista.

A flexibilização das garantias conquistadas nas relações de trabalho seguiu de forma desenfreada para retirar direitos trabalhistas e mascarar os contratos de trabalho, sob o pretexto de prestigiar a “liberdade de escolha e valorização da livre iniciativa” com o consequente ganho na produtividade e eficiência dos mercados.

Todavia, este discurso liberal não é sólido, primeiro porque a parte mais frágil da relação, que é o trabalhador, e que, portanto, é a parte mais fraca na relação contratual, não possui condições isonômicas na negociação; segundo porque a precarização decorrente da força de trabalho mal remunerada e sem garantias trabalhistas não fará o país crescer.

No primeiro momento das terceirizações, estas atingiram os profissionais com maiores salários – os médicos, engenheiros, advogados etc – sendo que a estes a ausência de proteção da CLT não foi significativa, até porque em muitos casos, os profissionais conseguiam negociar maiores remunerações em detrimento da proteção celetista.

Com isso, estes profissionais além de perderem as garantias previstas em vínculo empregatício, tornaram-se donos do seu “próprio negócio” no contexto da mercantilização das profissões, subvertendo até mesmo questões deontológicas previstas na ética profissional.

Ocorre que o processo de terceirização, também dito pejotização, avançou para alcançar também trabalhadores com menor remuneração e, sobretudo, de maneira fraudulenta, o que ocasionou número significativo de demandas judiciais.

Este cenário de grande volume de demandas judiciais é tido como ponto forte do discurso favorável à pejotização, que coloca a necessidade da pacificação na relação, evitando-se tais demandas judiciais, o que não se sustenta, pois, a ausência de direitos pode liberar o Poder Judiciário de apreciar as lesões e injustiças contra os trabalhadores, mas, de nenhuma forma, isso significa pacificação na sociedade, posto que não há paz diante de trabalhadores explorados, assim como não há crescimento de uma nação diante da exploração de sua classe trabalhadora e precarização do trabalho.

O STF passou a decidir pela validade da terceirização em contraposição às decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem o vínculo empregatício em situações de fraude nos contratos de trabalho.

Assim, no ARE – Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603, o plenário, à luz do entendimento da ADPF 324, reconheceu a repercussão geral da matéria, que envolve os contratos de terceirizados e a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de supostas fraudes e do ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas sobre o tema da chamada pejotização e com isso, abre-se o debate aos profissionais do Direito.

Setores que representam os contratantes da mão-de-obra se adiantaram com argumentos requentados sobre o peso financeiro desestimulando a classe empresarial de investir, sendo este peso, segundo eles, comprometedor da competitividade.

Este discurso neoliberal cai por terra, na medida em que já se comprovou a falta de investimento por parte das empresas, ainda que estas tenham lucros para tal desiderato.

Por outro lado, o trabalhador, ao assumir o papel de “empreendedor”, submete-se ao trabalho com jornadas exaustivas e ganhos medíocres, sem qualquer garantia em situações de falta de trabalho, não tem férias, nem FGTS, em caso de doença não possui garantia previdenciária adequada e ainda absorve todo o risco da atividade.

Neste sentido, a pejotização, por si só é nociva ao país e ainda mais quando se consideram situações de fraude e de abusos, como nos casos de trabalhadores forçados a constituir empresas para que seu contratante não tenha que registrá-lo no regime celetista, portanto, mascarando a relação de emprego e subvertendo a ordem legal sob os imperativos dos arts. 2º, 3º e 9º da CLT.

Portanto, a pejotização é um atraso no desenvolvimento do país, na medida em que eleva inexoravelmente a precarização do trabalho e isso não interessa à sociedade.

Com mais ênfase traz-se aqui a questão sob a ótica da advocacia trabalhista brasileira, ou seja, a retirada dos processos que envolvem as fraudes da pejotização do âmbito da justiça do trabalho atinge de modo fatal os advogados que atuam na área trabalhista, porque aponta para o desaparecimento da profissão do advogado trabalhista.

A competência da Justiça do Trabalho não deveria ser alvo de debates, na medida em que está definida constitucionalmente no art. 114, I da CF com abrangência aos casos que relacionam os empregos.

Caso prevaleça o posicionamento do Judiciário brasileiro de suspensão dos processos relativos à pejotização do âmbito da Justiça do Trabalho, questionando sua competência, resta à advocacia brasileira o papel de defender especialmente a advocacia trabalhista que perde sua atribuição na medida em que são retiradas garantias trabalhistas dos trabalhadores de modo em geral e o afastamento de demandas da justiça do trabalho.

Portanto, a advocacia deve se dedicar à defesa da permanência da Justiça do Trabalho quanto à competência para julgar todos os contratos de trabalho e emprego em prol da advocacia trabalhista e o fazendo estará também na luta da classe trabalhadora contra a terceirização/pejotização fraudulenta.

Deve-se garantir que o trabalhador, no ato da contratação, tenha a escolha de todos os direitos conquistados ao longo de muitas décadas e com muita luta e não uma imposição do contratante pela pejotização de modo fraudulento.

Agora é o momento de revisitar a história de tais conquistas para retomá-las e assim construir um país justo e precipuamente no rumo do crescimento, o que não ocorre com a precariedade da força de trabalho desta nação, com isso, a advocacia trabalhista estará contemplada no que se refere o exercício de se mister em toda a sua plenitude.

Márcia Aparecida de Freitas é mestra em Direito no Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Advogada. Presidenta do Instituto dos Advogados da Zona Leste de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos Avançados GEA – IAZL.

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