O Brasil enfrenta desafios no combate ao racismo, destacando a necessidade de ações de advocacia em direitos humanos e reformas políticas.
Por Ana Lúcia Marchiori no Migalhas
“Tenho lutado contra a dominação branca
e tenho lutado contra a dominação negra.
Defendo o ideal de uma sociedade livre e democrática
onde as pessoas vivam em harmonia, com oportunidades iguais.
É um ideal pelo qual desejo viver e atingir.
Mas se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.
Nelson Mandela
Este dia é relembrado em vários países, inclusive aqui no Brasil. A data nos remete para o nosso presente e de como ainda massacres continuam acontecendo. E de que futuro projetamos e nos fazem pensar na organização da sociedade civil em ações de advocacia em direitos humanos e reformas, como na política sobre drogas.
Infelizmente, o Brasil ainda enfrenta muitos desafios no combate à discriminação racial.
O racismo é um dos maiores dilemas de toda a sociedade brasileira. E não apenas da população negra. Porém, ainda hoje observamos uma enorme dificuldade em reconhecer o racismo estrutural presente nas mais diversas áreas e diversos segmentos da nossa sociedade. Estamos no século XXI sem enfrentar de maneira efetiva o racismo e a exclusão da população negra.
O racismo brasileiro não é derivado da escravidão, mas não só, é um projeto ideológico do capitalismo e atualmente o neofascismo tem levado a cabo como forma de manutenção de privilégios de uma população branca. Ele é um instrumento fundamental para a manutenção de privilégios raciais que beneficiam uma branquitude.
O racismo ainda produz novas vítimas do seu rolo compressor. A maioria das pessoas em situação de rua, viciada em crack, a maioria dos presidiários são negros. Provas e realidades que se apresentam do racismo ainda vigente, um exemplo são as mortes no litoral de São Paulo, onde, segundo relatório da Ouvidoria das Policias as pessoas mortas pela PM na Baixada Santista eram negras.
A Ouvidoria fez um estudo do perfil racial das vítimas da operação com base em registros de ocorrência.
Ouvidor das polícias de SP, Cláudio Silva diz que o alto índice de pessoas negras mortas na ação reflete o racismo estrutural.
O Governo de SP deve ser denunciado na ONU por violência policial. Entidades brasileiras vão usar o Conselho de Direitos Humanos da ONU para acusar o governador Tarcísio de Freitas de promover operações policiais que violam direitos básicos e com um impacto desproporcional sobre a vida de negros e pobres.
A importância de lembrar a data faz parte do combate ao racismo, apesar de o Apartheid ter acontecido na África do Sul, o Brasil também enfrenta as consequências de uma segregação racial, observada ao longo dos tempos.
O reflexo dessa segregação é a violência cotidiana. Seja no Calunga, em Manguinhos, Paraisópolis ou na Baixada Santista, as favelas, comunidades da periferia, toda bala perdida encontra uma pele negra.
Racismo é sinônimo de violência. E por isso é importante destacar e denunciar que a primeira grande luta da população negra brasileira é a luta pela vida. É a luta pela sobrevivência.
É importante dar destaque a legislações que visem o combate à discriminação racial e a continuidade de processos de ódio racial. Por outro lado, nós sabemos que o direito penal e a justiça criminal, atua sobretudo para a manutenção e ampliação das hierarquias sociorraciais no estado brasileiro.
A data de 21/3, dia internacional para eliminação da discriminação racial, foi proclamada pela ONU como um dia de luta contra a discriminação racial, em memória ao chamado Massacre de Shaperville, em Johanesburgo, na África do Sul, em 1960.
Em 21/3/60, foi palco de um massacre onde 69 pessoas morreram e centenas ficaram feridas após um confronto com a polícia. Os negros protestavam pacificamente contra a lei do passe, que exigia que portassem uma caderneta que dizia onde poderiam ir ou não. Mais uma lei instituída no período do Apartheid sul-africano, que durou de 1948 a 1994.
Neste dia 21/3/24, permanece atual o discurso do Nelson Mandela na Cidade do Cabo após sair da prisão, quando citou as próprias palavras durante o meu julgamento em 1964. E é uma luta que nós temos que nos colocar à disposição para alcançar este ideal de uma sociedade livre e democrática.
Ana Lucia Marchiori é Advogada, pesquisadora e especialista em Advocacia Internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, Diretora do SASP, membro da Comissão Igualdade Racial e verdade sobre a escravidão do SASP (CIRVE – SASP), membro da Frente Esperança Garcia e Coordenadora do Mov. Revoga Já. Fez parte da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do COAF que elaborou os aspectos jurídicos da reparação negra no Brasil. Foi advogada colaboradora da REDE – Rede de Proteção ao Genocídio da Juventude Negra.