08 de Março: por que paramos hoje

por | mar 10, 2017 | Jornal do Sindicato | 0 Comentários

08-de-Marco-porque-paramos-hojeHoje, 08 de março, nós, mulheres em luta, paramos.

Paramos para lembrar das trabalhadoras que lutaram por melhores condições de trabalho nas greves de 1857 e 1911. Por todas aquelas que perderam suas vidas na luta pela redução da jornada e reconhecimento da dignidade dos trabalhadores. Paramos pelas sufragistas e por todas aquelas que ainda lutam pela igualdade na participação política entre mulheres e homens.

Paramos porque sabemos que a estrutura doméstica recebeu do capital distinção para ser reduzida ao local em que o trabalho é não-produtivo e, sendo assim, é coisa de mulher. Paramos para que seja devolvido à mulher o reconhecimento por todo e qualquer trabalho por ela realizado, independentemente de o capital apenas catalogar como produtivo aquele que pode ser mercantilizado.

Paramos pela implementação de políticas públicas que possibilitem o acesso isonômico das mulheres ao mercado de trabalho, como restaurantes de baixo custo, lavanderias públicas, creches e berçários.

Paramos porque na iniciativa privada há uma grande diferença salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função e porque, mesmo no serviço público, apesar da aparente igualdade salarial em virtude do concurso prestado, chefias e funções comissionadas são exercidas majoritariamente por homens. Paramos por todas as trabalhadoras terceirizadas.

Paramos porque até nós, juízas, mesmo ocupando cargos de destaque na estrutura de Poder brasileira, também sofremos o preconceito, ora velado, ora escancarado, de partes, advogados, servidores e de nossos próprios pares, observando, inclusive, que numericamente os altos postos do Poder Judiciário ainda são ocupados majoritariamente por homens.

Paramos para lembrar que o patriarcado está impregnado em nosso seio social, de uma forma que muitas vezes nem sequer percebemos. Sem nos darmos conta, seguimos alimentando a (falsa) ideia da superioridade masculina.

Paramos pelas agressões machistas diárias travestidas de “piadas” e “cantadas”, fruto de uma sociedade que enaltece a prática do assédio.

Paramos para dizer que nosso corpo é só nosso. Não é uma extensão da família, não é um apêndice da sociedade, não deve se curvar ao capital. Paramos, também, pelas mulheres pobres que morrem em decorrência de complicações em abortos clandestinos, sendo-lhes negado o direito de decidir sobre seu próprio corpo.

Paramos pelas mulheres que encaram uma maternidade solitária por escolha do homem, decorrência de uma sociedade que naturaliza o abandono paternal, impondo exclusivamente à mãe o sustento, educação e guarda dos filhos, enquanto a responsabilidade do pai – inclusive afetiva – é propositalmente esquecida.

Paramos pelas mulheres que dizem não. Não ao casamento convencional, não à maternidade, não aos serviços domésticos. Paramos pelas artistas, pelas lésbicas, pelas trans, pelas não binárias, pelas prostitutas e por todas as que quebram os paradigmas que lhes são impostos. Pelas mulheres que, donas das suas vidas, decidem por não serem “belas, recatadas e do lar” e são hostilizadas e discriminadas por isso.

Paramos, também, pelas mulheres que insistem em dizer que feminismo é “mimimi”, sendo vítimas de séculos de um patriarcado que nos divide.

Paramos pelas mulheres negras, que são ainda mais objetificadas, violentadas, assassinadas e discriminadas que todas as outras.

Paramos pelas mulheres indígenas. Paramos porque nós, ameríndias, estamos em cada terra tomada, em cada ventre de índia violada, em cada língua indígena esquecida, em cada receita tradicional servida e compartilhada como ato de resistência aos alimentos ultraprocessados e as novas doenças cara pálida que lhes fazem par. Nós, ameríndias, estamos em cada aldeia levantada, em cada semente espalhada.

Paramos pelas mulheres camponesas. Paramos pela primeira, pela derradeira e por todas as que, no interregno de nossa existência no Planeta Terra, sejam nômades, sejam sedentárias, construíram e apanharam seus instrumentos de trabalho, extraíram da natureza e do campo a sobrevivência de si e dos seus.

Paramos pelas meninas que têm a infância roubada, quer pelo trabalho infantil, quer pelo abusos e exploração sexual intra e extra familiar, oriundas, em sua maioria, das camadas mais pobres da sociedade, e vítimas da falta de políticas públicas e assistência do Estado.

Paramos pelas mães, avós, mulheres e filhas dos mortos nas chacinas de Acari, do Vidigal, da Candelária e de tantas outras chacinas que formam esse holocausto cotidiano de jovens brasileiras, em sua maioria, negras e pobres.

Paramos pelas mulheres encarceradas, grande parte delas com filhos nos ventres. Pelas mães separadas de seus filhos. Pelas esposas e filhas abandonadas no cárcere por seus maridos e pais. Pelas esposas, companheiras, mães e filhas submetidas a tratamento desumano nas revistas íntimas quando vão visitar seus familiares nas penitenciárias.

Paramos para lembrar de Marina Menegazzo e Maria José Coni, molestadas sexualmente e assassinadas em uma praia do Equador, no verão de 2016, assim como de Lucía Perez, estuprada e violentamente morta na Argentina, além de todas as mulheres que diariamente sofrem abusos e violência.

Paramos em nome de Isamara Filier, Liliane Ferreira Donato, Alessandra Ferreira de Freitas, Antonia Dalva Ferreira de Freitas, Abadia das Graças Ferreira, Ana Luzia Ferreira, Larissa Ferreira de Almeida, Luiza Maia Ferreira, Carolina de Oliveira Batista, todas assassinadas em 31 de dezembro de 2016 em Campinas/SP, pelo ex-marido da primeira, que não aceitou a separação.

Paramos em nome da Presidenta Dilma Rousseff, que desde a campanha de 2014 até a efetivação do golpe dissimulado pelo instituto do impeachment, foi permanentemente atacada em sua condição de mulher, pelo simples fato de estar ocupando um lugar no espaço público do poder que não era considerado seu por direito. Paramos, portanto, para denunciar o caráter misógino do golpe parlamentar de 2016.

Paramos ainda pelas presas políticas que, por serem mulheres, não sofreram apenas a tortura física e emocional foram também submetidas a abuso sexual e estupros coletivos.

Paramos por muitas mulheres. Paramos para seguir com Mary Wollstonecraft, Frida Khalo, Simone de Beauvoir, Dandara Zumbi, Nísia Floresta, Nise da Silveira, Pagu, Olga Benário, Rosa Luxemburgo, Berta Lutz, Laudelina de Campos Melo, Rose Marie Muraro. Maria Verone, Marie Curie, Virginia Woolf, Rosa Parks, Carolina Maria de Jesus, Irmãs Mirabal, Débora Maria Silva, Azoilda Loretto da Trindade, Enir Terena, Damiana Guarani Kaiowá, Margarida Maria Alves. Paramos por todas essas mulheres que, à frente de seus tempos, não aceitaram a discriminação de gênero e se destacaram em diversas áreas do conhecimento, marcando, com suas lutas, o feminino revolucionário, na história e na vida.

Paramos pelas mulheres que se libertam. Por todas as que, diante da violência doméstica, decidiram (e conseguiram) deixar os seus lares. Também pelas mulheres que, ao entenderem que o sentimento que as unia aos seus companheiros não era mais fato propulsor da união, seguiram seus caminhos. Permanecemos paralisadas pelas mulheres que, por um motivo ou por outro, tiveram que sair de suas casas, sem poder trazer consigo seus filhos e suas filhas.

Paramos pelas mulheres que dizem sim. Sim ao chamado de sororidade. Sim à diversidade que reforça nossos elos. Sim à vida doméstica não submissa, que resgata nossos espaços de luta e de força. Sim ao domínio do nosso próprio corpo. Sim ao conflito que agrega e nos fortalece juntas.

Paramos, finalmente, por nós mesmas. Estamos a postos, sem a opressão do dever, mas com todas as forças do ser e toda a propulsão do vir a ser.

Paramos hoje para lembrar que:

sua dor é nossa dor;

sua riqueza é nossa riqueza;

sua salvação é nossa salvação e

seu combate é nossa luta.

E você? Por que para hoje?

Célia Bernardes, Elinay Melo, Fernanda Orsomarzo, Janine Ferraz, Juliana Castello Branco, Laura Benda, Lygia Godoy, Naiara Brancher, Patrícia Maeda, Renata Nóbrega, Roselene Taveira e Simone Nacif são Juízas de direito, juízas federais e juízas do trabalho de várias regiões do país que compõem e colaboram com a coluna Sororidade em Pauta

 

*Justificando

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