O Sindicato dos Advogados de São Paulo só podia mesmo ter uma
existência extraordinária. Não possuía patrimônio, sede nem sócios.
Melhor dizendo, seu endereço mudava quando mudava o presidente,
aportando sempre em seu escritório.
Quando me iniciei na advocacia sindical ficava no escritório do dr.
Cristóvão Pinto Ferraz, comunista de carteirinha, que chefiava o
departamento jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos, naquele tempo o
maior da América Latina.
Depois a presidência passou para o dr. Vinicius Ferraz Torres,
getulista do grupo nacionalista do PTB, o que lhe garantiu sua nomeação
para a Procuradoria do antigo IAPETC, o antigo instituto de previdência do
pessoal do transporte. Foi o que determinou seu afastamento do sindicato
passando a presidência para o socialista Léo Munari e também o escritório
para seus companheiros de trabalho, os advogados Milton Gordo e Laerte
João Goulart presidente e a idéia das reformas de base abriram um
novo horizonte para a esquerda. O advogado comunista Ibiapaba Martins
de Oliveira que chefiava o departamento jurídico do Sindicato dos
Gráficos, também jornalista do Última Hora propôs um manifesto de
protesto contra o governo fascista do “Generalíssimo” Franco que mandara
prender inúmeros advogados.
Leo Munari assumiu a direção da Delegacia – hoje Superintendência
– Regional do Trabalho no Estado de São Paulo e passou a presidência do
sindicato para o dr. Walter de Mendonça Sampaio, antigo militante do
PCB, advogado de inúmeros sindicatos autênticos, de resistência, com
quem iniciei minha carreira.
O sindicato cresceu e empolgou os advogados trabalhistas saindo a
frente, deixando atrás a OAB, a AASP, o Instituto dos Advogados – a
AAT, associação dos advogados trabalhistas ainda não existia – para
denunciar as maldades de juízes e funcionários da Justiça do Trabalho,
como marcação de audiência com distância de até um ano e meio, retirada
das cadeiras da sala de audiências para afastar os advogados, negação de
cópia das atas e coisas mais. Sucederam-se assembléias explosivas onde se
destacavam as vozes de Rio Branco Paranhos, Agenor Barreto Parente,
Altivo Ovande, João Maurício Cardoso, Paulo Cornachioni, Darmy
Mendonça, Armínio Costa Filho, Paulino de Freitas, João Freire que
conseguiram emprestado o salão do Sindicato dos Securitários. Amador
Paes de Almeida, depois juiz, era o repórter que acompanhava as
assembléias e as divulgava no jornal Tribuna da Justiça (se não me falha a
memória). A polêmica que se abriu foi identificar ou não os juízes e
funcionários que cometiam as maldades. Ganhou a proposta intermediária
de por ora não nomear ninguém mas deixar o aviso de que não se toleraria
a continuação dos procedimentos faltosos. A denúncia foi manchete do
jornal católico Brasil Urgente comandado pelo advogado Rui Cesar do
Espírito Santo e levada ao presidente do Tribunal do Trabalho Décio de
Toledo Leite ligado ao governador Ademar de Barros, a quem deveu sua
nomeação nos tempos em que ser juiz não passava por concurso, mas
indicação política. Só que o despacho, publicado no jornal Brasil Urgente,
como direito de resposta não fora comunicado à assembléia: “Primeiro
identifiquem os denunciados”. A omissão foi o bastante para esfriar os
ânimos do advogados e o esvaziamento do sindicato, mas que continuou
com fama de associação combativa.
O que ninguém esperava foi a quartelada ou golpe militar de 1964 e
a noite escura de prisões, torturas, assassinatos, desmandos de toda ordem,
que só chegaria ao fim em 1985 quando o último agente da ditadura deixou
o Palácio do Governo pela porta dos fundos, pedindo ao povo que o
esquecesse, no que foi prontamente atendido. Mas foi a oportunidade que o
advogado tributarista José Carlos Graça Wagner vislumbrou para projetar-
se politicamente, bastava começar pelo poderoso Sindicato dos Advogados,
a frente de quase todos, em pé de igualdade com os sindicatos dos
metalúrgicos, do têxteis, gráficos, alimentação e outros que compunham o
que mais tarde seria chamado equivocadamente, “velho sindicato”. Se já
perdera a importância ficou a mancha de subversivo. E veio a intervenção
determinada pelo Ministério do Trabalho, Graça Wagner nomeado seu
interventor. Se tudo é verdade ou só meia verdade não sei, mas o que se
contava naqueles tempos de mordaça é que o interventor entrou pelo
escritório-sede a dentro e deparou com os advogados Milton Gordo e
Laerte Nordi, mais tarde desembargadores do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
– Quem são vocês e o que fazem aqui? indagou o interventor.
– Eu é que pergunto quem são vocês, respondeu Milton Gordo.
– Este, policial do Dops, aquele, fiscal do Ministério do Trabalho, eu
interventor do Sindicato.
Milton Gordo pulou:
– Pois bem, o Sindicato é aquela mesa, a cadeira e a estante, só não
joguei tudo na rua porque não sabia quem era o dono, agora que sei, vocês
têm um dia para levar tudo embora senão ponho no lixo! foi a resposta.
Aí o sindicato acabou de verdade, perdendo os poucos bens que
foram deixados no porão da Delegacia do Trabalho e seu registro, cabendo
ao interventor, por dever de ofício, sua liquidação judicial, que não chegou
Tempos depois, Amadeu Garrido de Paula, Paulo de Oliveira, Luiz
Athayde Mota, Clodoaldo Fitipaldi e outros tantos, eu inclusive,
procuraram reavivar o Sindicato, requerendo ao Ministro do Trabalho
Murilo Macedo o restabelecimento de sua carta sindical (ou registro,
naqueles tempos de tutela repressiva), no que foram atendidos, que foi
entregue a mim numa audiência presidida por Vinicius Ferraz Torres, então
presidente do Tribunal Regional do Trabalho.
Amadeu foi eleito presidente. Depois vieram João José Sady, Valter
Uzzo, Ricardo Gebrin e agora Aldemar Assis.
Hoje o Sindicato tem patrimônio, sede própria e sócios, figurando de
novo entre os mais combativos e autênticos.
Figura presente, ainda que secundária nestes tempos conto o que vi e
vivi e o que me contaram.
SP 24.11.2014.