Direita cresce com plataforma contrária aos trabalhadores e à soberania nacional

por | set 15, 2017 | Jornal do Sindicato | 0 Comentários

pensadores esquerda BRDebate na USP reúne André Singer, Guilherme Boulos e Tatiana Berringer para pensar a conjuntura política brasileira

São Paulo – A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Fflch) recebeu na noite de quinta (14) o debate “Pós-impeachment: Qual o futuro para as alternativas radicais”, que contou com a presença do professor de ciências políticas da faculdade André Singer, do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos e da professora de Relações Internacionais da UFABC Tatiana Berringer, mediados pelo também professor da USP Ruy Braga, do departamento de sociologia.

A mesa de debates integrou o Seminário Internacional Universidade em Crise: As razões do Agir. O primeiro a falar foi André Singer, que fez uma análise sobre o ciclo lulista, que para o pensador, começa com a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder, em 2002, e acaba com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016. “Quando digo que encerrou o ciclo, não digo que encerrou o lulismo, que segue vivo, como demonstrou o último giro dele pelo Nordeste”, disse em referência à Caravana de Lula pela região.

“O lulismo é um movimento de raízes populares que pode e deverá continuar a participar da vida política brasileira, mesmo que Lula não possa participar das eleições no ano que vem, isso se tivermos eleições, e que elas sejam efetivamente competitivas”, disse Singer. “A não ser que tenhamos um retrocesso enorme na democracia entre este momento de hoje e o próximo ano, minha consideração é que o lulismo segue vivo, mas o ciclo de governo lulista se encerrou”, completou.

O cientista político disse que, para ele o lulismo “foi uma política de combater a pobreza sem confrontar o capital. Eu denominei esse programa de reformismo fraco. Agora, no lugar do lulismo, estamos assistindo à ascensão de uma direita anti-trabalhista, anti-nacional e anti-republicana”, disse.

Singer, que está em meio a um estudo sobre o lulismo, se diz surpreso com a “agressividade e ousadia da direita”. Entretanto, o pensador classifica a experiência do lulismo como bem-sucedida no campo histórico nacional. “Foi a primeira vez que um agrupamento de origem popular conseguiu ganhar as eleições e governar o país. Talvez, a experiência anterior mais próxima tenha sido a de Getúlio Vargas em 1950, quando ele ganhou as eleições com uma coalizão popular mas não completou seu mandato pois estava sofrendo um golpe e se matou”, disse.

“A experiência lulista tem a característica de ter ganho quatro eleições, o que nunca havia acontecido. Ele governou o país, isso consolidou a democracia, porque para termos democracia é preciso alternância de poder e o lulismo demonstrou capacidade de governança que não é pouca coisa visto que vivemos em uma democracia em construção”, disse.

Singer vê benefícios para camadas populares durante o período. “O lulismo conseguiu melhorar consideravelmente o padrão de consumo da camada mais pobre. Se olharmos o que significou o Bolsa Família para o orçamento nacional, foi muito pouco, mas se olharmos o que significa receber o Bolsa Família no interior do Nordeste, significa a diferença entre comer e não comer. Isso explica uma parte da popularidade e da sobrevivência do lulismo. Houve uma transformação efetiva da vida real de um segmento importante da população”, afirmou.

Então, para Singer, o enfraquecimento dos governos progressistas do Brasil foi consequência de suas próprias características. “Para obter esses ganhos, o lulismo teve de pagar dois preços muito altos. O primeiro foi de não politizar e não mobilizar os setores populares para não ter de confrontar o capital. O segundo foi que o lulismo acabou por desmobilizar e despolitizar a própria fração organizada dos trabalhadores. Isso foi a escolha de um modelo que teve benefícios e preços”, disse.

Por sua vez, Tatiana avaliou fatores que levaram à queda de tal ciclo por outros prismas. “O lulismo vai entrar em crise a partir de 2012 e 2013 por fatores que entrelaçam elementos nacionais e internacionais. A crise de 2008 com todos os seus reflexos, a ascensão da China, o reposicionamento da Rússia que levou os Estados Unidos a reformularem suas políticas externas, trazendo uma ofensiva maior aos governos progressistas da América Latina”.

“Isso afeta a burguesia da mesma forma com que ela foi afetada em 1989, quando votaram no Fernando Collor. É uma sensação de que o Brasil ficaria isolado se não aderisse ao modelo imposto. Internamente, vamos ter, a partir de junho de 2013, o surgimento de movimentos de classes médias e populares. O que isso significou para a burguesia? O aumento de greves e a queda no PIB. Então, a classe burguesa, mais alinhada ao imperialismo, sofre essa pressão e faz sua opção de classe de abandonar o lulismo, resolvendo se alinhar à política neoliberal, que emplaca com o impeachment uma ofensiva maior ainda do que nos anos 1990, pensando no contexto trabalhista”, concluiu.

Quebras
Boulos seguiu na análise dos desdobramentos do impeachment da presidenta Dilma. “O golpe que se consumou no ano passado, ao mesmo tempo expressou uma crise e colocou em xeque dois pactos fundamentais que se construíram na realidade brasileira. De um lado, o pacto lulista e de outro o pacto da Nova República, que também foi afetado. O próprio golpe já expressa a falência daquele pacto que foi formado a partir da Constituição de 1988 com o fim da ditadura militar (1964-1985)”, disse.

“Para tornar a situação mais animada, tivemos uma crise política profunda que solapa as bases do pacto constitucional. Quando se faz a transição lenta, segura e gradual, ali se faz um arranjo em que o sistema político funcionaria por meio de uma abertura forte para as oligarquias e para o grande capital por meio do financiamento empresarial de campanha. Esses setores tiveram bancadas para serem representados, o que formou o chamado centrão”, disse.

A crise política, de acordo com Boulos, acabou resultando em uma anti-política. “No Brasil esse é um desafio, porque a anti-política tem se apresentado como alternativas de direita. Quem tem se apresentado como novidades se colocam à direita. Seja a anti-política de farda, que tem a expressão em Jair Bolsonaro, seja a de toga, que se expressa nos salvadores da pátria da Lava Jato, do poder mais fechado e cheio de privilégios que é o Judiciário, e se expressa na anti-política de terno: empresários e gestores como o João Doria. O Trump misturou esses estereótipos nos Estados Unidos, desqualificando o Estado e a gestão pública”, disse.

 

*RBA

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