Estágio: da responsabilidade pedagógica à utilização como mão de obra barata

por | ago 24, 2016 | Jornal do Sindicato | 0 Comentários

Entre o objetivo pedagógico do estágio e a utilização do estagiário como mão de obra barata no meio jurídico.


Os estagiários e as estagiárias formam um dos pilares de sustentação da Justiça no Brasil. Seja no Fórum, no Ministério Público, na Defensoria Pública ou até mesmo em escritórios de advocacia, são eles e elas que atendem parte considerável da demanda.

Visando regulamentar o exercício do estágio, editou-se a Lei 11788/08, que contém diversos dispositivos de proteção ao estagiário/à estagiária. Logo em seu primeiro artigo, a Lei conceitua o estágio como

”ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido em ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de ensino superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.”

Trata-se, portanto, de mais uma fase pedagógica aos e às jovens, focada especificamente no desenvolvimento profissional de cada um/uma, necessária para um complemento à sua formação.

Contudo, poucos são os que têm conhecimento acerca dos direitos dos estagiários e das estagiárias. São, propositadamente, não divulgados – ou pouco divulgados – por aqueles que utilizam esse tipo de mão de obra; aqueles que deveriam ter responsabilidade e comprometimento com o ensino e o projeto pedagógico do estágio.

estágio

Observa-se que, de um lado, existem aqueles interessados em aproveitar o baixo custo de estagiários e estagiárias, utilizando-os em substituição de técnicos e profissionais especializados, principalmente na área administrativa e de ”office boy”. Sob o pretexto do ”adquirir experiência”, os colocam para realizar tarefas, que, comumente, não mantêm qualquer vínculo com o curso e a prática profissional desejada pelo e pela estudante.

Um exemplo? Na época do meu estágio no NUDEM (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, conheci a CRC (Central de Relacionamento com o Cidadão). A Central é composta majoritariamente por estagiários e estagiárias, que a cada segundo atendem telefonemas e marcam pessoas nos respectivos núcleos de primeiro atendimento ou especializados, conforme a história narrada na linha.

E interessa muito mais à Defensoria pagar R$620 (à época que estagiei) à um estagiário ou uma estagiária do que ter técnicos ou terceirizar o serviço (tendo em vista que os gastos seriam bem superiores). Enquanto isso, estudantes prestam-se à um serviço limitado, de pouco – ou nenhum – contato com o Direito (seja dogmático ou crítico).

Isso não acontece só na Defensoria, muito pelo contrário. O estágio lá continua sendo um dos mais recomendados. Não à toa. Agradeço muito às Defensoras e aos técnicos que me acompanharam.

Na verdade, o que não faltam são exemplos de violação aos direitos dos estagiários e das estagiárias. Comumente escritórios de advocacia são criticados pela exploração, determinando excedente de atividades e uma carga horária superior às 30 horas máximas estabelecidas pela Lei de Estágio.

Ocorre que a maior parte dos escritórios se sobressaem em relação aos estágios públicos pela alta quantia paga, bem como por uma série de ”gratificações”. Ávidos e ávidas por um crescimento prematuro, pelo sentimento de tornarem-se profissionais, trabalhadores/as, ou até mesmo por timidez, pressão local ou necessidade de ganhar dinheiro para ajudar na subsistência familiar, muitos e muitas não denunciam as práticas abusivas em seus respectivos ambientes de estágio.

E deve-se repetir incessantemente: ESTÁGIO. Não trabalho.

Não há vínculo empregatício e a cobrança deve ter limites!

Nesse sentido é que deveria haver mais atuação dos órgãos competentes, na fiscalização e, principalmente, no diálogo com o corpo estudantil das universidades e escolas, a fim de que os direitos sejam publicizados e as denúncias sejam feitas!

Os direitos dos estagiários e das estagiárias precisam ser respeitados.

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Espero que não incomode ler um texto que inclua palavras no feminino (estagiários e estagiárias), ao referir-se às pessoas. Faz parte de uma avaliação de que os artigos comumente excluem as mulheres (mesmo que sem intenção, mas por força de uma construção social).

*É muito importante que os e as estudantes estejam organizados em seus locais de estágio. Na DPGERJ nós criamos o MEDPERJ (Movimento dos/das Estagiários/as da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), que alcançou diversas conquistas, principalmente no que diz respeito ao reajuste da bolsa-auxílio e do auxílio-transporte.

 

*Hugo Ottati / Jus Brasil


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