Nosso papel é lutar pela verdadeira justiça!

por | fev 20, 2014 | Jornal do Sindicato | 0 Comentários

Leia o relato da Diretora do SASP que, junto a dezenas de manifestantes,
sofreu repressão policial em ato político no 25 de janeiro.

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Queridos amigos e companheiros, gostaria de compartilhar com vocês a minha
experiência vivida no dia 25 de janeiro, na manifestação “se não tiver
direitos, não vai ter copa!”.Eu fui uma das 128 pessoas que se abrigaram do
cerco policial no hotel Linson e foram ilegalmente detidas.



Sou advogada atuante no Sindicato dos Advogados, na Comissão de Direitos
Humanos, e sempre buscamos apoiar os movimentos sociais, inclusive com
assessoria jurídica, principalmente em momentos tensos como os que estamos
vivendo, com muitas mobilizações populares e muita repressão policial.

Pois bem, no dia 25 estava acompanhando o referido ato, junto com o
Movimento de Mulheres Olga Benário, tudo estava bem tranqüilo, saímos da Av.
Paulista, descemos a Av. Brigadeiro Luiz Antônio, passamos pelo viaduto do
chá, quando estávamos quase em frente ao Teatro Municipal ouvimos a primeira
bomba lançada pela polícia. Imagino que o motivo tenha sido o percurso que
passaria pela Praça da República e, como havia comemorações do aniversário
de São Paulo, provavelmente a polícia queria mesmo impedir a passagem. Então
continuamos o percurso pela Rua Xavier de Toledo e subimos a Rua Augusta.
Foi possível escutar um barulho de vidraças quebrando nesse momento atrás de
nós.

Continuamos subindo a Rua Augusta. Em certo ponto a polícia começou a descer
a rua jogando muitas bombas e também a subir, em formação, pela Rua.
Ficamos, assim, encurralados, pois havia bombas por todos os lados,
policiais descendo e subindo a rua, e de ambos os lados bombas. Assim,
entramos no hotel Linson para nos refugiarmos. Estava tudo tranqüilo lá
dentro, já havíamos conversado com o recepcionista para que pudéssemos ficar
ali e aguardar o tumulto acabar e a polícia ir embora. Havia pessoas que
participavam da manifestação naquele momento e pessoas que apenas estavam
passando na rua e precisaram se proteger.

Porém, com absurda truculência,o choque da polícia militar invadiu o saguão
do hotel, inclusive atirando balas de borracha contra os manifestantes já
deitados no chão com a mão na cabeça.

Eu estava mais ao fundo e assim, como todas as pessoas, também tive que
deitar no chão com a mão na cabeça. Em nenhum momento foi possível fazer a
identificação como advogada do movimento, pois a todo o momento mandavam que
nos calássemos, nos ameaçavam dizendo que se não ficássemos quietos nos
tratariam como tratam as pessoas “da quebrada”, faziam xingamentos a todos
e, com as mulheres, a humilhação era específica, como gritar”é pra deitar e
não sentar como uma puta”.

Enfim, passamos por uma situação a qual até imaginávamos que pudéssemos
passar um algum momento, pois vemos todos os dias acontecer nas periferias
das cidades grande violência policial contra a população, prisões
arbitrárias e mortes. Sabemos que a polícia não existe para garantir
segurança aos cidadãos como diz, mas sim para defender um Estado e os
interesses de um pequeno grupo, o grupo que detém o poder na nossa sociedade
e que utiliza de todas as formas, inclusive a violência de Estado, para
oprimir o povo e garantir sua posição privilegiada. Porém, vivenciar essa
experiência na pele e não apenas na defesa de outra pessoa é algo que apenas
nos instiga mais a lutar e, no meu caso particular, de utilizar cada vez
mais a minha profissão como um instrumento de apoio à luta popular e na
busca da verdadeira justiça, pois é a isso que advocacia deve servir.O
advogado é essencial à efetivação da justiça, e, portanto, não pode se calar
ou se omitir frente aos desmandos e arbitrariedades de quem quer que seja.

Naquele momento não havia lei, democracia, direitos, justiça, não havia
nada, ali era, como é todos os dias nos nossos bairros, o “tribunal de rua”,
onde a polícia prende, julga e aplica a sanção.

E claro, tentam nos impedir de lutar pelos nossos direitos, direitos que
inclusive estão consagrados na nossa lei maior, na constituição, como o
direito de manifestação, mas que só são “permitidos” quando não geram risco
aos interesses econômicos de quem realmente lucra com essa sociedade,
utilizando o medo como arma. Naquele momento todos os repórteres foram
afastados, inclusive de forma violenta. Vi um repórter da Rede TV ferido,
havia perdido dois dentes. Vi um policial questionando o recepcionista do
hotel, se havia câmeras no lugar e dando a entender a esse que as mesmas
deveriam ser desligadas. Mandaram todos desligarem os celulares e tirarem as
baterias. Dos diversos policiais que estavam na ação apenas um tinha
identificação, ou seja, tudo a demonstrar que poderiam fazer o que quisessem
ali, pois ninguém iria ver.

Pior, toda essa situação humilhante e vexatória onde não tinha acontecido
sequer um crime. As qualificações posteriores demonstraram que as pessoas
ali eram trabalhadoras, professores, metalúrgicos, funcionários públicos,
estudantes e advogados, pois além de mim, havia uma pessoa que se
identificou como dos advogados ativistas, que posteriormente não vi mais, e
que estavam ou na manifestação ou apenas transitando na rua na hora que as
bombas começaram.

Os objetos apreendidos, então, era uma bizarrice. Havia instrumentos
musicais, megafone, bandeiras e uma garrafa trazida pelos policiais os quais
diziam se tratar de um molotov, mas até eu, que não entendo nada disso,
consigo ver que com uma garrafa com dois durex presos é impossível fazer
algo explosivo.

E assim todos ficamos reféns das ilegais e abusivas “detenções para
averiguação”.

Um pouco antes de sermos conduzidos aos ônibus para sermos levados para a
delegacia, trouxeram o Vinicius Duarte, o estudante de química que foi
brutalmente agredido pela polícia, para a frente da sala. Só nesse momento
consegui ver o quanto ele estava machucado. E vejam que nesse momento a
camiseta dele havia sido trocada e o sangue limpo. Mesmo assim todos na sala
ficamos chocados, sabíamos que ali ninguém havia oferecido resistência e o
Vinicius estava com o rosto deformado da agressão.  Fiquei ainda mais
chocada quando lembrei que antes havia entrado um rapaz na sala,
provavelmente um enfermeiro ou alguém que trabalha em ambulância,
perguntando se havia alguém ferido e a polícia disse que não havia ninguém.
Enquanto isso o Vinicius estava em um lugar que nós não conseguíamos ver.

Para pessoas como nós não há nada mais humilhante que a forma como fomos
tratados. Somos trabalhadores, construímos a riqueza desse país todos os
dias com nosso suor e muitas vezes nosso sangue. A palavra de ordem dita
pelos manifestantes de que os estádios foram construídos com o sangue de
operários é absoluta verdade e tem que nos fazer refletir sobre quem
realmente está sendo beneficiado com essa copa e o porquê de tentar impedir,
a qualquer custo, qualquer manifestação que possa atrapalhar o lucro de quem
tem muito a ganhar com ela que, com certeza, não é o povo desse país.

De fato essa copa não é para os brasileiros, essa copa é da FIFA. Da FIFA,
das empreiteiras e construtoras, das multinacionais, enfim, não é do povo. O
que o povo está ganhando com a copa não é nada além de ser expulso de suas
casas, com absurdas e ilegais remoções, verem o seu dinheiro ser escoado
para construção de obras que em nada lhes mudará a vida, que só enriquece
quem já é absurdamente rico, enquanto a saúde, a educação e o transporte
público estão em caos total.

A FIFA dita todas as regras e para garantir seus lucros inclusive pressiona
para que haja um estado de exceção em nosso país no período da copa, ferindo
gravemente a nossa soberania nacional, tudo para que não ocorram
manifestações, pacíficas ou não, para que nada lhe atrapalhe em seus lucros.
Portanto, não é possível defender a democracia e ao mesmo tempo defender a
copa dessa forma que está sendo feita.

E para nós, advogados, que possamos estar preparados e colocando nossa
profissão à disposição da luta, pois somente a luta popular poderá
definitivamente acabar com os desmandos, arbitrariedades e ilegalidades
cometidas pelo Estado, afinal nosso papel é lutar pela verdadeira justiça!



Raquel Brito



“Era só mais uma dura, resquício de ditadura, mostrando a mentalidade de
quem se sente autoridade nesse tribunal de rua …” – O Rappa

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