Debate sobre Comissão da Verdade da USP chega às arcadas da Faculdade de Direito

por | jun 5, 2012 | Notas Rápidas | 0 Comentários

Um ato de lançamento do abaixo-assinado pela criação da Comissão da Verdade da USP reuniu, em 24/5, cerca de 200 pessoas nas arcadas da Faculdade de Direito (FD) do Largo São Francisco. Organizado pela Frente de Esquerda, articulação de estudantes da FD, o ato contou com a participação do Fórum pela Democratização da USP, constituído por Adusp, Sintusp, DCE-Livre, diversos centros acadêmicos e grupos como Levante Popular e outros.
O primeiro a falar no ato foi o professor Fábio Konder Comparato: “É preciso, com toda a tranquilidade, mas também com energia e decisão, que sejam abertos os arquivos da universidade para saber quem colaborou com o regime, quem ajudou para tantos sequestros e torturas”, afirmou. No seu entender, há um nexo entre o passado escravocrata brasileiro, o regime ditatorial implantado em 1964 e o presente de violações de direitos humanos. A escravidão estaria “na raiz da tragédia de 20 anos de regime empresarial-militar”, ao qual seguiu-se “um regime de total impunidade”.
O diretor da FD, professor Antonio Magalhães, rememorou seus tempos de estudante naquela unidade: “Falo como aluno nesse período da Ditadura Militar. Ingressei em 1965, último ano da Peruada [tradicional festa pública da faculdade]; em 1966 ela foi proibida. Tivemos colegas desaparecidos, colegas mortos, professores afastados, professores que tinham suas aulas censuradas, vigiadas, porque não se submetiam”. Ele lembrou que era aluno da pós-graduação, quando o coronel Erasmo Dias, secretário da Segurança Pública, tentou invadir a faculdade: “O diretor, professor Rui Nogueira, foi até a porta para impedir a entrada da Polícia Militar”.
A professora Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da USP, mencionou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) como modelo a descartar, pois decorre de uma “resposta atabalhoada” à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o governo brasileiro a punir os agentes da Ditadura Militar e localizar os corpos de guerrilheiros do Araguaia. Deisy criticou a composição da CNV: “Poucas pessoas, escolhidas por critérios que jamais ficaram claros”. Ela elogiou o formato sugerido no abaixo-assinado que propõe a Comissão da Verdade da USP, por sua composição mais democrática e pelo recorte temporal das apurações, 1964-1985 (em vez do despropositado período 1946-1988, fixado na lei de criação da CNV).
Interdição
“É como se a Ditadura Militar não tivesse existido. Há uma interdição ao debate, um bloqueio sobre o que ocorreu durante a Ditadura”, destacou o professor Gilberto Bercovici (FD). Para ele, a Comissão da Verdade da USP terá de investigar “o papel desta faculdade e desta Universidade no regime militar”. Bercovici observou que a Congregação da FD, reunida após o golpe militar, manifestou apoio às Forças Armadas. “Queremos saber a verdade, nada mais do que a verdade. Essa conivência geral, esse acordo [em torno do silêncio sobre a Ditadura] vai se dissipar”, arrematou, depois de mencionar que foi um professor da FD (César Peluso) que liderou a decisão do STF de manter a impunidade dos torturadores, em 2010.
José Damião Trindade, procurador do Estado, ex-aluno da FD, reforçou os argumentos de Bercovici: “Há duas tradições nessa faculdade, a dos combatentes, dos professores e alunos que resistiram à Ditadura Militar, e a dos que foram coniventes, cúmplices”. Como exemplo da primeira vertente, citou (e homenageou) Arno Preis, militante de esquerda executado pela repressão política. Como exemplo da vertente oposta, mencionou Gama e Silva, ex-reitor que redigiu o Ato Institucional 5 (AI-5), de 1968. Ele aplaudiu a participação da juventude nos atos de execração de torturadores.
O professor Salomão Shecaira (FD) explicou que a Lei da Anistia de 1979 é ilegítima, porque, tendo participado de sua aprovação os chamados “senadores biônicos” (indicados pela Ditadura Militar), ela resultou de um “pacto com pessoas que não tinham sido eleitas”. Lembrou que, no período ditatorial, houve uma tentativa de invasão do Centro Acadêmico XV de Agosto: “Talvez o Magnífico Reitor, que tem afinidades com a polícia, tenha se esquecido dessa história”, ironizou.
O professor Jorge Souto Maior (FD) registrou que, depois que o reitor Hélio Lourenço foi destituído do cargo, o regime militar colocou à frente da Reitoria o professor Alfredo Buzaid (depois ministro da Justiça), egresso, como Gama e Silva, do Largo São Francisco. Na visão de Souto Maior, a lógica da espionagem vigente na Ditadura “é exatamente o que acontece hoje na USP”. Defendeu a retirada dos processos movidos contra sindicalistas e alunos, extinção do convênio com a PM, fim das fundações privadas e do vestibular, enfim “a derrubada de todos os muros, físicos e sociais”.
Campanha. Alexandre Pariol, representante do Sintusp, afirmou que a Comissão da Verdade da USP é necessária para impedir as violações atuais: “Um estudante eliminado é condenado para sempre. A legislação usada é a mesma da Ditadura Militar, não foi revogada”.
A professora Elisabetta Santoro, vice-presidente da Adusp, disse esperar uma vigorosa campanha em favor da Comissão: “É fundamental que esta Universidade reveja seu passado, para que possa construir seu futuro de forma mais consciente” e, assim, empreender “um processo de democratização forte e urgente”.
O deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão da Verdade criada pela Assembléia Legislativa, assinalou que a USP foi uma das universidades brasileiras mais atingidas pela repressão política, e que é preciso um movimento de rua para derrubar a Lei da Anistia. Também se manifestaram Lira Alli (Levante Popular), Fábio Pimentel (Coletivo Quem), Gabriel Landi (UNE) e diversos outros estudantes.
Fonte: Adusp
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