Estudantes de Direito ao lado de Marielle Franco

Por Rodrigo Souza Siqueira Júnior*

Esta crise nos ensina muito. Testa nossa capacidade enquanto sociedade de lidarmos com dificuldades que afetam a todos; poder público, organizações do terceiro setor, empresas e indivíduos são todos convocados ao exercício da solidariedade. Enquanto estudantes de direito, aprendemos sobre o escopo ético do exercício da carreira jurídica, na teoria e na prática. Independente do ramo específico que optamos, formamo-nos para construção de um país mais justo, ético e solidário, e, desde cedo, seja nos estudos ou pesquisas, nos organizando politicamente e estagiando, buscamos nos orientar neste sentido.

A realidade do sistema de justiça hoje no Brasil em muito depende do empenho e dedicação dos estagiários que aprendem, ao mesmo passo que exercem, as mais variadas funções dentro do sistema de justiça. Subestimar o papel do estagiário de direito no sistema de justiça brasileiro é exercício de cinismo que reservamos àqueles que negam a gravidade da crise bem como formato esférico do planeta Terra.

A Lei de Estágio (11.788/08) no parágrafo segundo de seu primeiro artigo cita para além das finalidades pedagógicas e profissionais do estágio “o desenvolvimento do educando para a vida cidadã”. Seu aspecto educativo é o que diferencia o estágio de uma relação de emprego comum, e é justamente a origem de outras tantas peculiaridades desta relação contratual. No entanto, dada a desigualdade brasileira, a recente ampliação dos cursos de ensino superior no país às classes médias e populares — em especial no ramo do direito, historicamente elitizado — e a utilização do tipo contratual para reduzir o quadro de empregados formais das empresas e repartições públicas em tempos de austeridade fiscal e neoliberalismo, o estágio passa a ter o caráter de uma relação de trabalho comum, baseada na necessidade de sustento, por parte dos estudantes, e de cálculo econômico eficiente por parte dos gestores e empregadores.

Com a crise do novo coronavírus no Brasil, onde  predomina a falta de liderança e coordenação do Estado em escala Federal, Estadual e Municipal no combate à pandemia, a vida de todos foi profundamente abalada. As medidas relativas à crise no país, sejam de combate ao vírus ou de seus efeitos socioeconômicos, são tímidas, descoordenadas e encontram no chefe do Poder Executivo um opositor ferrenho, que nega a gravidade da crise e pouco se solidariza ao drama que acomete o povo brasileiro. Assim, os estudantes do país se vêem entre a precarização do ensino — com o ensino à distância e o abuso por parte das instituições de ensino, que se negam em sua maioria a promover redução das mensalidades — e o drama do risco de dispensa do estágio, ampliado pela própria modalidade de trabalho que reduz encargos de demissão se comparados ao de um empregado comum.

Neste sentido, nós, da Federação Nacional das e dos Estudantes de Direito temos observado atentamente a dispensa dos estagiários de direito que teve início de forma mais contundente na cidade do Rio de Janeiro no início do mês de abril, seguido da capital paulista e avançando para as demais regiões do país durante o mês que se seguiu, atingindo inicialmente nos escritórios focados em contencioso de massa e em seguida os especializados. Agora no mês de maio, caso prossiga a tendência, é esperado o pior cenário possível. O estágio para muitos estudantes de direito no país é fonte de sustento e a garantia de permanência na universidade. Em uma combinação perversa, a demissão de estagiários e a maior dependência destes de seus ganhos  andam juntas, dada a iminente recessão econômica que trará consigo a perda generalizada de renda das famílias do estudantes.

Por este motivo, no Dia Internacional dos Trabalhadores lançamos a Campanha Nacional em Defesa dos Estágios, voltada para que os estudantes de direito se integrem, formulem e organizem uma atuação em defesa de seus estágios e direitos neste momento de dificuldade.

Contando atualmente com apoio de Centros Acadêmicos de cursos de direito de todo país, rogamos para que as empresas, escritórios e repartições públicas não dispensem seus estagiários, que tanto contribuem para a vida desses espaços, no momento em que eles mais precisam. Além de buscar sensibilizar os gestores e empregadores sobre a importância de manter tais contratos durante a pandemia, outras iniciativas vêm sendo tomadas com a finalidade da proteção dos estagiários junto à Ordem dos Advogados do Brasil e por via legislativa, a partir da proposição e apoio a projetos que caminham neste sentido. Pedimos que o sistema de justiça e o setor privado atenham-se à sua responsabilidade para com a formação e dignidade dos futuros juristas do país, se solidarizando e dando eles próprios o exemplo neste difícil momento. Aprendemos durante todo o curso que o direito e a justiça devem se colocar a proteção dos elos mais frágeis da sociedade nas relações entre indivíduos e hoje, o estudante está, indubitavelmente, na posição mais frágil.

Compreendemos a situação do setor público e privado, que também é acometido pela crise em todos seus sentidos e ao buscar saídas encontra, tal como nós, um governo ausente em sua tarefa de preservar o tecido social do país.  

Acreditamos, entretanto, na percepção de que sozinhos seremos derrotados, e que somente a solidariedade pode garantir dignidade a todos neste momento — sobretudo quando somos governados pela omissão na presidência do país. Precisaremos ajudar uns aos outros enquanto sociedade, para que possamos sobreviver a este período. E se possuo alguma esperança, é a de que esse será o aprendizado que a pandemia deixará e marcará uma  geração de juristas ainda mais atentos aos valores solidários que regem nossa constituição, como condição precípua de uma sociedade forte, livre e justa.

*Rodrigo Souza Siqueira Júnior – Secretário Geral da Federação Nacional das e dos estudantes de Direito