Com o presente texto abaixo, objetiva-se trazer o relevo necessário às relações de trabalho no serviço público, ressaltando raciocínio jurídico deste tema, de difícil manejo, mas cujo desbravamento é essencial para a existência dos padrões mínimos de convivência social no mundo do trabalho, seja ele do setor privado ou no serviço público, mas destacando o setor público, hoje tão aviltado por políticas privatistas contrárias aos mais caros princípios da administração pública dispostos no caput do artigo 37 da Constituição Federal.
A prática antissindical é repudiada há tempos pela Legislação Pátria, vez que se trata de prática ilegal, que ocorre nas dependências de unidades de órgãos públicos da Administração direta e Indireta da União, Estados e Municípios, restringindo o direito de livre organização, manifestação e greve.
Não raro a advocacia se depara com situações ocorridas no serviço público, em que algumas chefias agem com truculência e falta de decoro para com os funcionários, sendo comum a anotação dos nomes dos servidores que participam de seu sindicato ou associação ou quando entram em greve, encaminhando listas com os nomes e números cadastrais para as chefias superiores, caracterizando ameaça intimidatória e prenunciando possível ato punitivo característico da prática antissindical.
Importante frisar, que qualquer ato de perseguição aos trabalhadores, em razão do seu legítimo exercício do direito de livre manifestação, de organização e de greve, corresponde a ASSÉDIO MORAL e PRÁTICA ANTISSINDICAL, uma vez que são direitos resguardados pela Constituição Federal e vasta legislação, senão vejamos alguns exemplos:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
ART. 8º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
“É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
(…)
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
(.)
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;” (grifamos e destacamos)
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.” (destacamos)
Veja que o direito de organização sindical e/ou de greve do servidor público constitui garantia fundamental dos trabalhadores, conforme dispõem os artigos 8º e 9º da Constituição Federal de 1988, que, como tal, não pode sofrer limitações injustificadas ao seu exercício, sendo que, no caso de greve nos serviços públicos aplica-se subsidiariamente a Lei de Greve, lei 7.783/89.
Portanto, não pode a administração pública opor-se aos ditames constitucionais, muito menos de forma violenta, ferindo valores tão caros à sociedade brasileira e atingindo direitos que legislador pátrio destinou à organização sindical, não apenas um artigo, mas um capítulo, qual seja, o CAPÍTULO II – DOS DIREITOS SOCIAIS, do artigo 6º ao 11º da Constituição Federal, sem falar na legislação esparsa que delineia tais direitos sociais.
Nesse mesmo sentido a Convenção 98 da OIT – Organização Internacional do Trabalho da ONU, ratificada pelo Brasil desde 1952, estabelece os princípios do direito de organização e de negociação coletiva, merecendo destaque a previsão do seu artigo 2º, 1:
ARTIGO 2º DA CONVENÇÃO 98 DA OIT:
“1 – As organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas em outras, quer diretamente, quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionante e administração.” (destacamos)
Nada obstante, está em pleno vigor, o decreto federal 7.944/13, que, embora não tenha regulamentado definitivamente a Convenção 151 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, revitalizou aquela norma internacional e dispôs acerca da negociação coletiva na administração pública, senão vejamos:
DECRETO FEDERAL 7.944/2013:
ARTIGO 9:
“Os trabalhadores da Administração Pública devem usufruir, como os outros trabalhadores, dos direitos civis e políticos que são essenciais ao EXERCÍCIO NORMAL DA LIBERDADE SINDICAL, com a única reserva das obrigações referentes ao seu estatuto e à natureza das funções que exercem.” (grifamos e destacamos)
Portanto, o direito dos servidores públicos à organização de suas atividades sindicais e à greve é legalmente resguardado, apesar de, contraditoriamente ainda não estar regulamentada a negociação coletiva na administração pública. Porém, por se constituir em direito humano-fundamental, é perfeitamente compatível com a observância aos princípios e regras legais que regem a atividade administrativa.
Assim, a prática antissindical observada e repudiada revela descompasso da Administração Pública, que assim procede, com a lei maior do país e com as normas da OIT – Organização Internacional do Trabalho da ONU.
Não se vislumbra uma única razão plausível para a utilização de atitudes truculentas de ingerência, que invariavelmente têm o objetivo de constranger e inibir o exercício do direito constitucional de organização dos trabalhadores, senão a incompatibilidade de certos indivíduos alçados a cargos de chefia, mas com baixo índice de civilidade e sociabilidade.
Assim, não se coaduna com a obrigatoriedade da submissão à Lei os interesses que estimulem a Administração Pública a pugnar para desacreditar ou desmobilizar as organizações dos trabalhadores e suas entidades sindicais em suas ações organizativas/reivindicativas.
Muitos municípios, estados e a própria União possuem normas regulamentadoras deste direito insculpido na Constituição Federal e devem sempre ser invocados perante atos ilegais de prática antissindical.
Um exemplo é a lei 8.989/97, Estatuto do Servidor Público Municipal de São Paulo, que deixa claro que nenhum servidor deve permitir a escalada de ordens ilegais, a saber:
Lei 8.989/97 – Estatuto do Servidor:
art. 178 – são deveres do funcionário:
(…)
II – cumprir as ordens superiores, representando quando forem manifestamente ilegais;
Portanto todos os trabalhadores devem cumprir a lei, inclusive as chefias, podendo ser punidas, administrativa ou judicialmente, na forma da lei, aquelas que insistirem nestas práticas repudiadas.
Assim, quando as chefias orientam a práticas ilegais, o servidor não pode ser coagido a cumpri-las e, caso aconteça, deve acionar a própria administração, através dos canais internos de autotutela administrativa, mas também o sindicato que os representa para que, caso necessário, em face de eventual insuficiência administrativa, acione o poder judiciário, para fazer valer a vontade concreta da lei e não dos potentados dos locais de trabalho.
Por fim, mister ressaltar que, assentado tal entendimento, a quase totalidade das eventuais controvérsias que podem surgir na relação entre os servidores e a gestão pública, podem ter solução administrativa, lembrando sempre da possibilidade de correção de eventuais equívocos de ofício, pelo princípio da autotutela administrativa, o que foi consagrado pela Súmula nº 473 do STF, in verbis:
“SÚMULA 473 – STF:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (grifamos)
Portanto, o direito dos servidores públicos à negociação coletiva de suas condições salariais e de trabalho constitui direito humano-fundamental, sendo perfeitamente compatível com a observância aos princípios e regras legais que regem a atividade administrativa.
Assim, ao solicitar reunião com o gestor da administração pública, ou reunião com os servidores de um determinado setor, o sindicato ou associação pauta-se na lei maior do país – Constituição Federal, bem como em norma da OIT – Organização Internacional do Trabalho da ONU, não podendo estas solicitações serem confundidas com disposições contidas em velhos estatutos que vedam “. atividades estranhas ao serviço.”.
Tal equívoco, ainda que não intencional, converte-se em medida arbitrária e, em última análise é típico ato antissindical, uma vez que inibe o exercício do direito constitucional de organização e as mesas de negociação previstas constitucionalmente, traz descrédito e constrangimento à atividade sindical, em desprezo à construção coletiva das propostas sindicais e as ações organizativas, que sempre visam a melhoria das condições de trabalho e dos vencimentos do conjunto dos servidores, em consonância com o princípio da legalidade, bem como dos outros princípios constitucionais que regem a administração pública.
*Aldo Moreira é advogado atuante na área sindical do serviço público municipal. Ex-servidor público concursado federal, estadual e municipal. Membro do Conselho Fiscal do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo (SASP). Formado em Direito pela USP. Professor de História pela USP.