Com amparo na decisão proferida pelo STF e nas normas recentemente aprovadas, além da magnitude que a pandemia está alcançando, os estados e municípios brasileiros estão organizando sua atuação para adquirirem as vacinas e imunizarem seus habitantes.
Por Marina de Mello Gama e Vitor Marques no Migalhas
Após um ano desde o primeiro caso de COVID-19 confirmado no Brasil, o país atravessa a pior fase da pandemia, com recorde de mortes e ocupação em UTI, que se renovam a cada dia. Em meio a esse cenário, a maior expectativa dos governadores, prefeitos e de grande parte da população brasileira era que a vacinação em massa e de forma eficaz, pudesse frear a transmissão do vírus e salvar vidas.
Contudo, mesmo com uma das maiores estruturas de sistema público de saúde do mundo, a vacinação – iniciada em janeiro – segue em ritmo lento no país, com cerca 8% da população imunizada e apenas um terço das pessoas dos grupos prioritários[1].
Nesse contexto, de falta de planejamento e desorganização do Governo Federal – recorrente ao longo da pandemia do Covid-19 – para o acesso da população às vacinas, o Supremo Tribunal Federal manteve, por unanimidade uma liminar na ADPF 770 que autorizou os estados e municípios a importarem e distribuírem as vacinas aprovadas pela ANVISA em caráter emergencial. Na decisão ficou asseverado que, na hipótese da União não cumprir o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra o Coronavírus, ou não oferecer os imunizantes suficientes, os demais entes da federação terão direito de adquirir e vacinar a população. Na oportunidade prevaleceu o princípio do federalismo cooperativo, o qual “exige que os entes federativos se apoiem mutuamente, deixando de lado eventuais divergências ideológicas ou partidárias dos respectivos governantes”.
Com base no entendimento do STF, foi sancionada no dia 10 de março a
Lei nº 14.124/2021 que autoriza os estados e municípios a comprarem, distribuírem e aplicarem os imunizantes, caso a União “não realize as aquisições e a distribuição tempestiva de doses suficientes para a vacinação dos grupos previstos no Plano Nacional”[2]. Além disso, a norma facilita a compra de vacinas contra o coronavírus, já que prevê a possibilidade da dispensa licitação e estabelece regras mais flexíveis para a autorização da aquisição de insumos necessários à imunização contra a doença.
No mesmo dia, foi sancionada a Lei nº 14.125/2021 que, além de reiterar a possibilidade da administração pública, assegura também, ao setor privado a aquisição e distribuição de vacinas com registro ou autorização temporária de uso no Brasil.[3] A norma estabelece que enquanto estiver em curso a vacinação contra o coronavírus dos grupos prioritários, as doses adquiridas deverão ser integralmente doadas ao Sistema Público de Saúde. Após a conclusão dessa etapa, o setor privado poderá ficar com metade das vacinas, desde que as doses sejam aplicadas gratuitamente.
Com amparo na decisão proferida pelo STF e nas normas recentemente aprovadas, além da magnitude que a pandemia está alcançando, os estados e municípios brasileiros estão organizando sua atuação para adquirirem as vacinas e imunizarem seus habitantes.
Fosse outro o comportamento dos dirigentes do Governo Federal em relação à pandemia, talvez, não existiria a necessidade dos municípios e estados adotarem tal postura. Infelizmente, e ao custo de milhares de vidas não é o caso. Assim, não resta outra alternativa aos entes federativos que valorizam a ciência e a vida. A defesa da saúde é competência de todas as unidades da federação, por isso, pode e deve ser realizada também pelos estados e municípios, conforme prevê o artigo 6º, combinado com o Art. 196 da Constituição Federal.
Vale ressaltar que, mesmo com a atuação dos outros entes da administração na defesa do direito à saúde da população, e agora com a possibilidade do setor privado adquirir as vacinas, é oportuna e necessária a atuação eficaz do Governo Federal na coordenação da compra e da imunização em massa. É dever da União ceder as ferramentas, diretrizes e os instrumentos de comando para os demais entes e gestores públicos.
O alinhamento entre os diferentes entes federativos sobre a forma de combater a pandemia é essencial para assegurar o direito à saúde e a vacinação em massa da população, ainda que tardio. A pauta da vacinação é necessária e urgente, somente com vacinas, a população poderá ter um sopro de esperança e enxergar um novo horizonte com o fim da calamidade sanitária que vivemos.
Marina de Mello Gama, atualmente secretária adjunta de Assuntos Jurídicos e da Justiça de Cotia/SP, mestre em direito público pela Universidade de Salamanca/Espanha.
Vitor Marques, atualmente secretário Municipal de Assuntos Jurídicos e da Justiça de Cotia/SP, mestre em Direito pela PUC-SP, membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP.
[1]https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/03/28/brasil-aplicou-ao-menos-uma-dose-de-vacina-em-mais-de-155-milhoes-aponta-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml
[2] A Lei é originária da Medida Provisória nº 1.026/21. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi relator da matéria no Senado.
[3] A norma é originária do Projeto de Lei (PL) nº 534/2021 de autoria do presidente do Senado e aprovada na Câmara e no Senado.