Uma Política de Segurança Pública com foco na cidadania e na paz social

por | nov 6, 2023 | Artigos, Geral

Por José Carlos Pires no Migalhas 

Ao longo dos últimos anos, a questão da Segurança Pública ganhou protagonismo no âmbito da sociedade brasileira, em virtude da fenomenal escalada da violência e da criminalidade, percebida pelas pessoas por meio de furtos, roubos, homicídios, violência contra mulher, crianças, idosos e da ação do crime organizado, gerando forte sentimento de medo, muitas vezes potencializado pela influência da mídia. O enfrentamento do tema de forma contundente e eficaz, pelos entes federados é de suma importância, visto que os  indicadores de criminalidade se relacionam diretamente com o potencial de desenvolvimento econômico, social e a qualidade de vida nas cidades.

Podemos avaliar então que a  Política de Segurança Pública implementada no país vem se demonstrando insuficiente e inadequada para o enfrentamento da violência e da criminalidade, além de ser marcada pela forte ausência de integração entre os entes federados União, Estados, Distrito Federal e os Municípios e pela baixa participação da sociedade.

É tratada, ainda, como uma questão de polícia, com atuação repressiva intensa e baixas ou inexistentes ações de prevenção, que decorrem de um vácuo da participação dos municípios. Carece de ser tratada como uma política transversal, integrada e sistêmica, onde seja considerado como fundamental o trabalho dos órgãos de segurança, das políticas públicas, do trabalho de zeladoria, do uso de tecnologias e a participação da sociedade como norteador das demandas prioritárias para garantia da paz nos territórios.

Como foi bem estabelecido pela Constituição Federal, a Segurança Pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.” Estão entre os órgãos responsáveis pela consolidação da preservação da ordem pública, a polícia federal, a polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis,  polícias militares e corpos de bombeiros militares e  polícias penais federal, estaduais e distrital. Ainda, o ordenamento constitucional definiu que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, processo que já foi regulamentado pela Lei nº 13.022 de 2014.

As Guardas Municipais são instituições civis e não militares, destinadas a atuar na prevenção primária da violência e a criminalidade, como uma “polícia” de proximidade na relação direta com a comunidade, a partir da presença nos próprios públicos escolas, unidade básica de saúde, entre outros, por meio da Ronda Escolar, da Patrulha Maria da Penha, do patrulhamento preventivo, devendo obedecer rigorosamente aos princípios preconizados pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais, sendo que na sua atuação é elementar a proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas, da  preservação da vida, da redução do sofrimento e diminuição das perdas, patrulhamento preventivo,  compromisso com a evolução social da comunidade e uso progressivo da força. Nota-se que este último princípio, no entanto, é bastante amplo, deixando margem para uma livre interpretação, necessitando de debates nos  níveis de sua aplicação. Guardas Municipais com efetivo adequado, com capacitação permanente e efetiva são capazes de garantir ambiente seguro, por exemplo, nas escolas e seu entorno, contribuindo sobremaneira para a sensação de segurança do território.

Isto posto, com a definição dos atores das forças de segurança é mais do que urgente a construção de uma Política de Segurança Pública, com foco na cidadania plena e na construção da paz social, que deve ser reconhecida como um direito social e de forte relevância para os territórios. Tal política, deve integrar os órgãos de Segurança Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, além de se valer do uso de tecnologias inovadoras que  possibilitem articular bancos de dados e sistemas de monitoramento, visando a produção de dados e conhecimentos para o trabalho de inteligência, na investigação de crimes e na prevenção da violência e da criminalidade. A produção de dados e conhecimento, a partir de sistemas integrados de monitoramento, possibilitam que os gestores públicos, tenham informações qualificadas, para as melhores tomadas de decisão, para inviabilizar a ocorrência de crimes.

Só é possível estabelecer a paz social e a qualidade de vida nas cidades e nos territórios, a partir de uma Política de Segurança democrática, cidadã, que valorize a participação da sociedade, a prevenção da violência e da criminalidade, que garanta os Direitos Humanos; que realize o combate à violência policial, ao racismo estrutural, a violência contra as mulheres, os povos originários, a população LGTBQIA+ e qualquer outra forma de discriminação. A Política de Segurança Pública deve permear outras políticas públicas para apoiar a jornada do cidadão ao longo da construção da sua história de vida.

Como estratégia para a construção de uma Política de Segurança, aos moldes citados anteriormente, a efetivação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) é fundamental e oportuno, visto que em seu escopo, define Segurança Pública como dever do Estado e responsabilidade de todos, todavia, o Estado é compreendido de forma ampla, ou seja, a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das competências e atribuições legais de cada ente federado.

Contudo, o SUSP estabelece que cabe ao município a prevenção primária da violência e da criminalidade. Assim,  é necessário garantir maior protagonismo ao ente local, que deve atuar a partir da sua guarda municipal, da defesa civil, dos órgãos de poder de polícia administrativa fiscalização de trânsito, comercio e postura. As políticas sociais, o trabalho de zeladoria urbana são elementos indispensáveis da Política de Segurança Pública que devem ser integrados numa visão sistêmica e perene com o trabalho dos órgãos de segurança pública, com o uso de tecnologias inovadoras na prevenção e repressão a violência e a criminalidade. Pode-se afirmar que, quando as ruas de um território estão adequadamente iluminadas ampliam a sensação de segurança pública, reduzem furtos e roubos e permitem a circulação dos cidadãos com tranquilidade.

Como parte da sustentabilidade de uma política pública, a Política de Segurança Pública também precisa ser devidamente articulada e planejada, com recursos orçamentários e financeiros de forma perene para todos os entes federados, mas principalmente, para os municípios. Uma forma de viabilizar esse financiamento é por meio da participação dos municípios no Fundo Nacional de Segurança Pública, aos moldes do que é definido  no Sistema Único de Saúde (SUS), no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e na área da educação.

Assim como estabelece o SUSP, a constituição e estruturação de Gabinete de Gestão Integrada (GGI), do Conselho de Segurança Pública, do Fundo de Segurança Pública  são  fundamentais para a construção de ações robustas e de interesse social, além de possibilitarem a gestão eficiente, e o controle social da Política de Segurança Pública, contribuindo para a  garantia do pleno exercício da cidadania e da paz social. Territórios seguros se constroem com muito diálogo, articulação política, garantia de participação social, ações coordenadas, planejadas e governança.

 

*Advogado; ex-conselheiro do SASP; Membro da Coordenação da Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC); Mestrando em Desenvolvimento de Negócios e Inovação; Consultor em Segurança Pública; Especialista em Gestão Pública Municipal; Autor dos Livros Segurança Pública Uma Inovação na Gestão e Sistema Único de Segurança Pública no âmbito municipal e Gestor de Segurança Pública no Município de Jundiaí – SP de 2013/2016.

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